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Confira o artigo 'Humanização ou Retrocesso'

14 de Fevereiro de 2019 às 00:01

Romeu-Sérgio Osório

Banidas em Sorocaba e boa parte do Estado de São Paulo, as provas equestres como rodeios e vaquejadas são uma forma pública de tortura em animais. Como nos velhos históricos momentos do Coliseu, de feras, escravos, cristãos e gladiadores, os bons tempos do Panis et circenses se repetem com requintes de crueldade com os cavalos. Essas provas são as mais populares e com menor fiscalização.

Diga-se de passagem: da mesma forma que existem diversas raças de cavalos, existem torneios e concursos equestres diferentes, cada um com um tipo de cuidado e fiscalização. Alguns já formam banidos de nossa região, uma evolução natural de nossa civilidade.

Cavalos em provas de rodeio, como nos antiquados cowboys que não sabiam montar e não tinham técnica e muito menos compaixão pelo ser vivo, encontravam uma única maneira de submeter o belo e forte animal -- e ao mesmo tempo muito frágil e sensível -- a seu domínio: pela força e pela dor.

Isso começava (e ainda começa por muitos) pela tal doma, que em inglês, breaking the horse, quer dizer quebrar o animal. Procura-se quebrar o espírito do animal, o que ele tem de mais puro e nobre para buscar sua submissão total. Outro objetivo é fazer com que corra e isso é feito pelo medo: do chicote, medo da espora que machuca muito, e em especial medo pela dor causada pelo freio, que sobe em forma de alavanca até o céu da boca do animal, causando dor e o animal recua ou para. Experimente fazer isso com seu dedo na própria boca, A embocadura também é apoio (e não deveria ser) daqueles péssimos cavaleiros e amazonas que não sabem cavalgar e se equilibram na boca do cavalo. Um outro tipo, o hackmore, as vezes com serrilha sobre o nariz, causa outro tipo de retenção pela dor. Dor e mais dor para controle em mãos inábeis. Sem falar em bocas rasgadas nos cantos dos beiços causados pelas bruscas puxadas de cavaleiros maldosos ou inábeis. Há outros requintes de crueldades, mas vou poupar o leitor dessa descrição gráfica.

No caso de “esporte” vaquejada, que consiste em sair correndo com o cavalo atrás de um bezerro e derrubá-lo puxando pelo rabo, é outra crueldade sem limites. Muito novilhos feridos, alguns até sem a cauda ou com a coluna deslocada, ficam sofrendo em currais longe dos olhos da plateia até o final dos torneios quando são então levados de qualquer jeito para o abate a longa distância.

Os cavalos ainda sofrem pelas esporas de pontas, tipo estrela, de pontas cortantes. Para engano de muitos, a pele do cavalo é muito fina e muito sensível. Tanto é que, hoje, nos esportes internacionais da Federação Equestre Internacional (FEI) o cavaleiro que causar sangramento ou um simples corte com sua espora durante um torneio é imediatamente desclassificado. Esse pessoal de alta equitação sabe como usar uma espora, que tem uma pequena ponta rombuda. O uso da espora é levado tão sério que nas escolas militares a permissão de seu uso só é dada aos cavaleiros avançados, como prova de seu cuidado e habilidade. Espora não é acelerador. É instrumento de condução, de ajuda, com muito cuidado.

Finalizando, existe ainda o uso inadequado de sela que pode machucar muito as costas do cavalo. Existem também os problemas de aprumos, de dores nas articulações, de uso de ferraduras que devem ser muito bem-feitas, de nutrição adequada e, mais comum do que pareça, em determinados esportes equestres, o doping é aceito ou com controle de vistas grossas.

A Equitação é um dos poucos esportes que se pratica com outro ser vivo. Mais que respeito, é preciso conhecimento para não causar dor e sofrimento. Trazer de volta a Sorocaba alguns tipos de práticas equestres já consideradas ultrapassadas, como se quer apreciar nesta sexta-feira na Câmara, apresentada por um burocrata do Turismo que foi apontado pelo Prefeito, deve-se desconfiar, e muito, que interesses estarão a vir.

Tal apreciação pode revelar nosso estado de respeito com os animais, nossos cuidados. Mais que isso, deverá revelar nosso estado civilizatório.

Romeu-Sérgio Osório, Editor-Chefe do Jornal Cruzeiro do Sul, gosta de cavalos.