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Homens certos nas horas incertas

15 de Fevereiro de 2020 às 00:01

Homens certos nas horas incertas Crédito da foto: Philip Fong / AFP

Edgard Steffen

Covid.19 é o nome oficial definitivo para a doença causada pelo novo Corona vírus

“Co” (corona), “vi” (vírus) “d” (disease = doença) e 19 (ano em que surgiu, 2019) compõe o nome oficial. Notícias sobre a epidemia têm, de certa forma, mitigado o besteirol dito por figuras públicas. Desatentos podem até juntar e misturar parasita -- injustiça com funcionários públicos -- a uma justa premiação no Oscar.

No Estadão, Eliane Catanhêde lembra que o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica funciona bem neste país (onde muita coisa parece ter sido concebida para não funcionar). Textualmente afirma que “o Brasil tem uma cultura de saúde pública exemplar e quadros de sanitaristas respeitados no mundo todo”. Em que pese minha insignificância, assino embaixo. Bem informada, ela situa o início da organização do sistema no governo Geisel, sob a administração do Dr. Paulo de Almeida Machado. Sem defender o regime militar, lembra que na organização do sistema “pesou menos a ideologia e mais a saúde de massas”.

Só para recordar. Machado foi docente de Química Fisiológica na Faculdade de Medicina local. Manteve aqui um laboratório de análises clínicas e presidiu a Sociedade Médica de Sorocaba. Bom administrador, foi meu chefe no DEC (Depto. Estadual da Criança), depois Diretor do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) antes de ocupar o Ministério da Saúde.

A organização da vigilância em protocolos eficientes, efetivos e eficazes foi facilitada pelo regime autoritário vigente. Não se alegrem as “vivandeiras que cercam os bivaques”, no jargão de Castelo Branco antes de virar estrada. Fortes têm que ser as medidas de saúde pública, não os regimes. Funcionou na democracia em relação ao controle da Aids. O Brasil tornou-se modelo para o mundo.

A doença Covid.19 foi descrita, em dezembro próximo passado. O vírus faz parte de um grupo bastante conhecido dos veterinários. Preocupa-nos chegue por aqui no período carnavalesco onde coexistirão grandes aglomerações de turistas nacionais e internacionais. O sistema de vigilância passará por duro teste.

Mesmo antes da modernização, o Brasil teve vitórias na guerra contra as epidemias. Em parte, isso pode ser creditado ao quinto presidente da novel república. Talvez o tenha motivado a perda de um filho acometido de febre amarela.

Francisco de Paula Rodrigues Alves (1848-1919) havia sido conselheiro do Império, senador pelo Partido Republicano Paulista, ministro da Justiça, ministro da Fazenda, governador do Estado de São Paulo. A ele a Pauliceia deve a troca da iluminação a gás pela energia elétrica. Apesar de oriundo da política cafeeira, teve a coragem de enfrentar seus pares e não cumpriu o “Convênio de Taubaté” que pretendia desvalorizar o mil-réis para beneficiar cafeicultores e exportadores do produto.

Dedicou-se a modernizar o país, promover a saúde pública e expandir a malha ferroviária. O saneamento do Rio de Janeiro era calamitoso. Servir por aqui, castigo dados aos diplomatas. Muitos navios seguiam direto para Buenos Aires, sem aportar em nossos cais. Rodrigues Alves entregou a tarefa de reurbanização e saneamento ao prefeito Pereira Passos. Para cuidar da saúde pública, convidou Roux, diretor do Instituto Pasteur, mas o próprio cientista indicou o discípulo Oswaldo Cruz. Este -- definia o Brasil como “imenso hospital” -- inauguraria o sanitarismo no país. Combateu e venceu epidemia de peste bubônica que eclodira no porto de Santos. Alavancou a carreira de cientistas brasileiros como Carlos Chagas, Emilio Ribas, Vital Brazil e Adolpho Lutz. Criou o Instituto de Manguinhos (que hoje leva seu nome). Aplicou a doutrina do médico cubano Carlos Finlay -- defendia que febre amarela era transmitida pelo Stegomyia fasciata, hoje conhecido por Aedes aegypti no combate à febre amarela e convenceu o Governo a aprovar obrigatoriedade de vacinação antivariólica.

Rodrigues Alves saneou e embelezou o Rio, mas não elegeu o sucessor. Voltou à Presidência como sucessor de Afonso Pena. Não tomou posse. Vitimou-o a Gripe Espanhola. Para ela não havia vacina nem precisava mosquito para transmissão.

Fontes: Catanhêde, E Em Guerra Estadão, 04/02/2020, pág. A6

Emp. Folha da Manhã História do Brasil, 2ª ed. 1997

Sorocaba, 14/2/2020

Edgard Steffen é médico pediatra e escritor. E-mail: [email protected]