Buscar no Cruzeiro

Buscar

Histórias dentro da História

16 de Novembro de 2019 às 00:01

A História é escrita pelos vencedores (George Orwell)

Evo Morales, apeado do poder porque fraudou eleições para mantê-lo, teve dificuldades para chegar ao país que lhe concedeu asilo. Direita e esquerda se acusam de golpe. O pequeno jato da Força Aérea Mexicana teve que reestudar a rota, porque vários países recusaram -- o Brasil permitiu -- que a aeronave cruzasse seu espaço aéreo. A Bolívia volta a viver dias agitados até que realize novas eleições e estabeleça novo governo democrático. Os vencedores definirão quem é o golpista.

[irp posts="188377" ]

 

A rápida saída do cocalero me reportou ao que aconteceu com D. Pedro II. Velho e alquebrado teve que deixar a terra que amava porque os republicanos temiam as manifestações populares. O major Mallet, encarregado de acompanhar o imperador deposto, temia que ele caísse nos transbordos que o levariam ao vapor Alagoas. Deste, para o exílio.

Há 130 anos o Brasil foi surpreendido por um golpe. Velho militar monarquista, deixa o leito a que fora jogado pela febre e falta de ar. Contrariando sua mulher e seu médico, vai juntar-se à tropa rebelada contra os “casacas” (políticos) que mal reconheciam os direitos dos vencedores da Guerra do Paraguai. Por precaução, temendo que montaria agitada pudesse derrubá-lo, fizeram-no montar o cavalo de nº 6, corcel baio de grande mansidão. Houve quem pensasse que ele bradaria “Viva o Império!” Não o fez. Também não gritou “Viva a República!” Aquela cena do velho marechal sobre o cavalo, erguendo o quepe e proclamando a República, só existiu no quadro pintado por Henrique Bernardelli. O manso baio foi o primeiro aposentado do novo regime.

A pé, o líder entrou no Quartel do Exército no Campo de Santana, onde estava reunido o ministério chefiado pelo Visconde de Ouro Preto e o destituiu. Foi assim proclamada a República. Melhor seria dizer que o II Império ruiu, torpedeado nas suas próprias contradições.

Deodoro era herói da Guerra do Paraguai, onde lutou com bravura. Numa batalha permaneceu encharcado com lama até a cintura, junto com seus subordinados por três dias e três noites. O marechal chegou a declarar que devia a Solano Lopes o sucesso de sua carreira militar. Outra declaração interessante, feita por carta, dois meses antes de liderar a derrubada de seu amigo D. Pedro II: “O único sustentáculo do Brasil é a Monarquia. Se mal com ela, pior sem ela.”

Seu irmão Hermes da Fonseca, comandante do exército na Província da Bahia, também monarquista, somente aderiu à nova ordem quando soube que seu irmão a liderava. Onze anos mais tarde, derrotando o civil Rui Barbosa, seu filho Hermes Rodrigues da Fonseca tornar-se-ia presidente da República (1910-1914).

Após o desfile das tropas pelas ruas, alguns líderes resolveram formalizar uma cerimônia que marcasse oficialmente a mudança do regime. Por falta de símbolos nacionais, cantaram a Marselhesa e improvisaram uma bandeira semelhante à dos USA, com listas verdes e amarelas.

Na criação da nova bandeira, tal como a conhecemos até hoje, mantiveram a criada por Debret, substituindo o brasão monárquico por um círculo azul, estrelado, cortado por uma faixa com os dizeres “Ordem e Progresso”. Simplificação de um lema positivista que rezava “O Amor por princípio, a Ordem por base e o Progresso por fim”.

Tentaram fazer do hino “Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre nós” o hino nacional brasileiro. Não emplacou. Continuaram tocando a Marselhesa nas solenidades, até que o povo protestou e exigiu a execução de um velho hino nacional (música de Francisco Manoel da Silva) já conhecido. A solução foi dar-lhe uma letra republicana composta por Osório Duque Estrada.

Nossa República foi proclamada sem tiros. Estes vieram depois, complicando a administração de quase todos os presidentes eleitos. Mas, essa é outra história. Serviram para consolidar o regime. Se bem analisarmos, a legalização da República viria em 1993 com o plebiscito em que o povo votou a favor do regime republicano. Só para constar, eu também.

Edgard Steffen é médico pediatra e escritor. E-mail: [email protected]