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Gírias, um fenômeno juvenil socializante

27 de Setembro de 2019 às 00:01

João Alvarenga

A priori, as gírias estão inseridas no cotidiano da sociedade há priscas eras; todavia, uma dúvida permanece: quando, de fato, esse fenômeno de linguagem passou a fazer parte da comunicação? Investigações dão conta de que, talvez, os romanos já fizessem uso de termos que transgrediam a língua oficial do Império. Afinal, o idioma oficial de Roma apresentava uma curiosa dicotomia: uma língua culta, digna das autoridades, e uma vertente vulgar (falada pelo povo). Alguns estudiosos acreditam que isso tenha sido um contributo para a sedimentação de expressões populares enraizadas na cultura de muitos países.

Todavia, é mister observar que não se tem uma certeza absoluta, no meio acadêmico, se o panorama descrito acima, realmente, foi determinante para o surgimento dos muitos desvios da norma padrão. Especulações à parte, o que se sabe, no fundo, é que as palavras transgressoras ganham cada vez mais amplitude, no tecido social. Assim, até mesmo os espaços que pressupõem doses de formalismo, como ambientes corporativos, escolas, igrejas e inúmeras instituições, a título de “política de boa vizinhança”, toleram a presença de vocábulos de baixo calão ou mesmo linguajar chulo. Tal postura acompanha, para o bem ou para o mal, o ideário do politicamente correto”, em que a sagrada liberdade de expressão contraria as boas maneiras.

No entanto, nem sempre foi assim, pois numa situação análoga às tatuagens (tão visíveis hoje), num passado não tão remoto, carregavam o estigma de traços de marginalidade ou alguém de passou algum tempo na cadeia; mas que, agora, em pleno no pós-modernismo, abarca a ideia de quebra de paradigma. Tanto que tais marcas, antes escondidas em algumas partes discretas do corpo, são ostentadas por personalidades midiáticas que influenciam, diretamente, os grupos que desejam adotar esse modismo associado ao conceito de jovialidade e vida saudável.

Ademais, no caso das gírias, é interessante observar que, antigamente, esse vício de linguagem tinha seu uso reprimidíssimo, principalmente nas salas de aula. Afinal, acreditava-se que tais construções, por serem considerados verdadeiros “açoites” às regras gramaticais, comprometiam o aprendizado da juventude, além de corromper a essência da língua. Esse radicalismo perdeu credibilidade, a partir do momento em que a televisão brasileira rompeu com o formalismo, a fim de cativar a audiência, algo que se intensificou com o advento da internet.

Nesse quesito, há paradoxo a ser observado: são justamente os jovens que mais recorrem às tais ousadias linguísticas, com a finalidade de constituírem um “dialeto” próprio das chamadas tribos urbanas, a saber: surfistas, rappers, hippies, tatuadores e grafiteiros. Além disso, não ficam de fora dessa lista os jargões profissionais, certos regionalismos e a linguagem das penitenciárias.

Outro aspecto que também chama a atenção dos pesquisadores é o fato de que as gírias, embora carreguem o espírito da contestação à norma padrão, envelhecem com os falantes. Ou seja, de tempos em tempos, expressões que, antes eram tidas como “descoladas”, ultramodernas, tornam-se o mais puro exemplo de arcaísmo. Assim, ou a pessoa não se lembra da gíria ou sente vergonha de usá-la, em determinados locais, pois teme denunciar a idade. Ou seja, o moderno também se torna démodé. Os estilistas conhecem bem esse assunto.

Para finalizar, é natural que isso aconteça, porque a língua é um ser vivo em constante transformação. Logo, metaforicamente, quando uma palavra cai em desuso no céu do léxico, outras tantas são incorporadas à constelação da linguagem. Assunto da próxima quinzena: a beleza da crônica reflexiva. Até lá!

João Alvarenga é professor de Língua Portuguesa, mestre em Comunicação e Cultura, produz e apresenta, com Alessandra Santos, o programa Nossa língua sem segredos, que vai ao ar pela Cruzeiro FM (92,3 MHz), às segundas-feiras, das 22h às 24h

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