Gato anônimo!
Foto e composição: Neusa Gatto Pereira
Neusa Gatto
Serei um gato filósofo? Daqueles que dá aos pensamentos tamanho valor? Ou o que venho a escutar em minhas andanças pela vida agora se constrói num livro que passo a explicar? Aceitadas por mim mesmo, sou meu maior divulgador de ideias, pensamentos, alguns momentos de alegria. Sim, sou um gato sério. Nem tanto por medo dos seres humanos. A não ser alguns que de longe identifico como estranhos.
Como sei? Alguma coisa mais forte se interfere entre nós. E se cria o abismo, diria eu... Olho para o lado e, ali está, aquela aranha de novo a bambolear pela árvore. Longe demais pra mim e fora da minha área de entendimento do que seja lazer. Nos enroscam todas aquelas finas gosmas que espalham pelo caminho. Se enrolam tanto que perde a graça a brincadeira.
Fico aqui a ouvir o barulho da rua. Sim, moro em uma casa onde sou dono absoluto. Com o conhecimento que tenho hoje da vida não me arvoro a me postar como “proprietário”. Embora essa seja uma característica minha, da qual muito me orgulho, devo dizer que, com conceitos mais definidos, pouca coisa me incomoda. Sou um gato de opinião, vamos dizer assim. Algumas até maleáveis eh eh eh...
Vivo no viver dos meus dias. Um cochilo na capota do carro na garagem. Um espreguiçar debaixo do pé de abacate. Um longo olhar para o céu...
Há uma organização astral na minha vida que... Gato, por favor, essa questão de “astral” não lhe parece um tanto pernóstica?
De maneira alguma, digo com convicção. Sou um mar de emoção por dentro. Me deleito com quem gosto. Sou gato reservado. Quieto. Sem alardes. Me conhecem todos que vem aqui. Tenho lá algumas predileções.
Já estou a filosofar, matuta...
Na rua, alguém grita alguma coisa. Outro ouve um som. A molecada... O barulho urbano das coisas da vida.
Ouço agora o tilintar daqueles deliciosos grãos de comida em minha tigela. Mais tarde desço a rua pra ver a gatinha mais bonita do pedaço. A mais linda, chique, dengosa, fashion gata de todas que já vi aí pelos muros, ruas, calçadas, jardins, terrenos baldios. Por acaso. Numa janela da rua, lá estava ela. Me viu. Nos vimos. E na troca de olhares...
Não sai e eu, brother da rua, entendo. Gata dondoca. Mimada. Num outro mundo. Outro tudo. Não importa. Gosto dela e, hoje, subo no muro pra chegar mais perto. Me ajeito e foco meus olhos nela. Ela, como uma obra de arte, também fica a olhar pra mim. Ronrono alto. A paz me invade. E, lá vou eu a filosofar de novo...
Neusa Gatto é jornalista e produtora de vídeos.