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Ficção Científica no Cinema (11)

01 de Março de 2019 às 00:01

Ficção Científica no Cinema (11) “A parábola dos cegos” (1568), de Peter Bruegel, o Velho: alegoria atualíssima. Crédito da foto: Reprodução

Nildo Benedetti - [email protected]

Depois dos sete artigos escritos nesta coluna entre 21 de dezembro de 2018 e 1º de fevereiro de 2019 e da exibição dos filmes de ficção científica no Cine Reflexão da Fundec, pudemos ter algumas ideias gerais sobre as possibilidades de mudanças do mundo pela tecnologia. Meu propósito foi o de expor as ideias dos pensadores sobre o assunto, em especial as de Yuval Hoah Harari. Muitos leitores concordarão com elas, outros pensarão diferente, outros não quererão saber do problema. Mas, penso que temos o dever de refletir sobre um assunto que afetará nossas vidas e a dos nossos descendentes de forma tão radical. A tecnologia em si pode ser boa ou má e não tem sentido lutar contra ela.

Harari afirma que o mundo atual criado pelo homem foge à sua compreensão: construímos uma sociedade tão complexa que não conseguimos dar a ela um sentido. Isto ocorre não apenas com a tecnologia, mas em todas as áreas que envolvem atividade humana, incluindo a das ideologias. Das três ideologias que vigoraram nas primeiras quatro décadas do século 20 -- nazi-fascismo, comunismo e liberalismo --, depois da Segunda Guerra Mundial sobraram duas, porque o nazi-fascismo foi derrotado; com o colapso do comunismo em 1989, sobrou uma, a liberal; a crise financeira de 2008 fez que, em 2018, sobrasse zero, escreve Harari. Essa crise fez com que muitas pessoas do mundo todo concluíssem que liberalização da economia e globalização são uma grande farsa que dá poder a uma pequena elite financeira às expensas de muitos; e que aguardam há anos por uma prosperidade pessoal que nunca chega, a despeito das promessas que lhes são feitas. A popularidade atual de ideologias extremistas é fruto dessa desilusão.

Diante da impossibilidade de compreender o presente, a maior parte dos líderes políticos mundiais olha para trás e tenta resgatar um passado supostamente glorioso, desconsiderando que aquele passado foi fruto de um contexto que está definitivamente sepultado. São incapazes de propor soluções para o enorme problema do mercado de trabalho em 30 anos. A obra “A parábola dos cegos” é baseada na passagem do Evangelho de Mateus em que Cristo diz que os fariseus são guias cegos guiando cegos. Ao longo dos séculos, a obra tem sido alegoricamente interpretada; parece-me, porém, que nunca foi tão atual para designar governados e governantes.

A despeito da turbulência global e da ignorância sobre o mundo, a humanidade encontrará uma saída criativa para a ameaça tecnológica, se atuar rápido e na direção certa. A sociedade de consumidores, como Bauman definiu a vida contemporânea, dividiu os seres humanos em vencedores e perdedores, conforme sua capacidade de consumir. No mundo atual de individualismo desenfreado, a compaixão pelo sofrimento dos perdedores é com frequência considerada um disparate. Contudo, quando bilhões de indivíduos escolarizados ficam sem emprego, sem poder econômico e político -- como preveem Harari e outros pensadores --, compaixão e solidariedade podem vir a se tornar valores humanos com que todos ganharão.