Buscar no Cruzeiro

Buscar

Empirismo e Estatísticas

25 de Julho de 2020 às 00:01

Empirismo e Estatísticas Crédito da foto: Divulgação / Pixabay

Edgard Steffen

Estatística é a ciência de mentir usando números

(De um humorista)

Não concordo com a frase. Obedecidos planejamento e criteriosa avaliação, dados bem levantados fornecem subsídios para a administração na saúde, educação, segurança ou qualquer outra área. A “mentira” pode aparecer na interpretação distorcida dos resultados. Acontece quando há interesse político. Diante de uma análise dos gastos com saúde, a situação divulga: “Até aqui, usamos 40% das verbas”. (Planejamos e gastamos bem, entenda-se). A oposição relata a mesma notícia acrescentando a curta palavrinha “só”. “A Saúde só usou 40% dos recursos” (Subliminarmente, planejaram mal ou são incompetentes para usar a verba).

Estatística era a disciplina pavor para quem cursava a Faculdade de Saúde Pública na USP. Muito marmanjo, com muitos anos de prática na área médico-hospitalar, teve que se render ao desconforto em destrinchar métodos e fórmulas no aprendizado de indicadores de saúde.

O bioestatístico precisa manter rigor científico desde a escolha do objetivo até a análise final. Não há espaço para improvisações nem achismos. Percepção estatística empírica não serve à produção de trabalho científico, mas pode condicionar tomadas de decisão. Por exemplo, a OMS foi criticada porque demorou a reconhecer como pandemia a Covid-19. Não deveria ter esperado que assumisse todas as características. Retardou decisões importantes como o distanciamento social.

Existem análises puramente empíricas. Bem antes da era dos postos-ipiranga, houve analista que media a saúde econômica pelo tamanho das colunas de falências e concordatas no caderno de economia dos periódicos. Quanto maiores e mais numerosas as colunas, pior a situação. Hoje, o aumento da seção de obituários, com nítida prevalência de idosos, chama a atenção para alguma coisa estranha na área da saúde. Se você ler o jornal todo vai conjeturar que o coronavírus pode ser a causa.

Se lhe perguntarem qual a relação entre carro e saúde, tenho certeza de que você se lembrará de acidentes e atropelamentos, sedentarismo, moléstias cardiovasculares, poluição e doenças respiratórias.

A história oficial do novo coronavírus diz que a Covid-19 foi identificada em dezembro de 2019. Revendo imagens de satélite, pesquisadores da Harvard Medical School teriam constatado, em outubro, grande aumento de veículos no estacionamento dos cinco hospitais de Wuhan. O aumento deve estar ligado à procura por assistência médica. A partir de agosto de 2019, aumentaram as procuras sobre “tosse” e “diarreia” nos sites de busca na internet chinesa. Embora a China negue veementemente, há evidências de que a nova doença estaria em curso, bem antes da data oficial.

Anos 80. Caso interessante envolveu epidemiologista detetivesco. Na vida profissional, constatou considerável aumento de óbitos por “gripes” num trecho do Rio Paraná onde se construía usina hidroelétrica. Na vida familiar, apreciador de carne de peixe, estranhou a queda dos preços do produto na peixaria de seu bairro. Conversando com o comerciante soube que crescera a oferta de pescado oriundo daquela área. Resolveu investigar a “epidemia de gripe” em Rosana (SP). A verdadeira causa era malária (maleita). Sem experiência com a patologia -- a maleita fora erradicada no Estado de São Paulo -- os atestantes apontavam gripe como causadora daquelas febres mortais. O epidemiologista foi mais além. Constatou que novos pescadores haviam se instalado na margem mato-grossense do rio. Para sobreviver, garimpo exaurido, garimpeiros haviam se deslocado da Amazônia para o Mato Grosso do Sul. Com eles, o Plasmodium falciparum agente da malária terçã maligna. O pernilongo (Anopheles) cuidou da transmissão. As ações do serviço de controle de endemias e os antimaláricos dominaram o surto de maleita. E o “detetive” voltou para seu pintado na brasa de preço mais acessível.

Edgard Steffen é escritor e médico pediatra. E-mail: [email protected]