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E o cordão dos 13 milhões cada vez aumenta mais

30 de Março de 2019 às 00:01

José Feliciano

O Banco Central reduziu de 2,4% para 2,0% a previsão do crescimento do PIB em 2019. O índice que corrige os aluguéis acelerou a alta para 1,26% no mês de março, segundo a FGV. A Petrobras vai reajustar o preço do diesel com intervalos mínimos de 15 dias. A inflação dos alimentos no domicílio aumentou 7,4% e a taxa ampla de desemprego que inclui subempregados está acima de 22%, segundo Zeina Latif da Agência Estado. Superamos mais de 50 países em número de homicídios, segundo o Atlas da Violência e tivemos 553 mil pessoas assassinadas nos últimos 11 anos (Ipea-2018). A confiança no comércio teve recuo de 96,8 pontos, o menor desde outubro de 2018. Depois das últimas trocas de declarações entre o presidente da República e o do Congresso, o dólar chegou a 4,01 reais, maior patamar desde outubro de 2018. Dizem que agora é paz.

O ministro da Educação vai aprendendo sobre sinais gráficos, começou a semana como ponto de interrogação e vai acabar como ponto final. Pressionados, os juízes do STF passaram a usar a toga como tenda, não descartando a possibilidade de uso como asa delta quando são descobertos em voos comerciais. Se depois de todos esses indicadores “otimistas” o leitor estiver pensando em pular da ponte, nem precisa muito esforço porque elas andam caindo sozinhas. Basta ficar debaixo delas. O Brasil pós-revolução transformou uma geração de heróis sem causa em heróis sem calças. Enquanto no Planalto líderes trocam mensagens no twitter, 13 milhões de indivíduos estão vivendo de bicos:

-- Quer dizer que eu tenho que entrar na jaula e alimentar o leão que está sem comer há um mês?!

-- Não reclama! Emprego tá difícil, olha a fila lá fora.

-- Esse leão não tá com cara boa.

-- Fica tranquilo, o leão também estava desempregado. Ele é vegano, só come alface.

-- E quantas vezes eu vou ter que entrar na jaula para alimentar o bicho?

-- Pelo seu tamanho só vai dar para uma vez.

Claro que o Brasil tem remédio, mas lembre-se! Esta semana o remédio terá 4% de reajuste. Com a violência, o brasileiro sai de casa como trabalhador e volta sobrevivente. O som mais curtido pelos mineiros são as sirenes de alarme das barragens de minério: quando tocam ninguém consegue ficar parado. Se tem bala perdida, não falta vítima encontrada. Claro que Deus é brasileiro, mas está residindo em Miami. Tem gente fazendo promessa e pagando em até 12 meses no cartão e matando meio frango de cada vez para comer. Se tivesse competição olímpica na modalidade fila de desemprego nosso país ganharia o marmitex de primeiro lugar. O maior desejo das famílias brasileiras é ter um aposentado para chamar de seu e emprestar o cartão de crédito.

Com 13 milhões oficiais de desempregados e 22 milhões extraoficialmente, incluindo os desalentados, aqueles de desistiram de vez. Isso existe e é oficial. Aliás, o termo desalentado também serviu de desculpa para muita gente, tem muito parente desalentados desde que nasceu.

-- Cunhadão, você sabe que eu estou desalentado, tô procurando emprego faz tempo, mas o miserável se esconde tão bem que não acho, será que você pode ficar um pouco com o Arturzinho, meu filho e seu sobrinho?

-- Tudo bem, quando você volta buscá-lo?

-- Na formatura dele.

As orientações vão mudando, assim como os novos rumos da economia graças à segurança de novos ministros e o uso de indicativos mais modernos para conduzir o país e saber para onde se deve ir, como o salutar e já consagrado método do dedo com saliva colocado na direção do vento, para onde soprar segue a manada.

A relação do governo com o Congresso está cada vez mais próxima, tanto que juízes do STF têm sido chamado a participar das decisões apartando os clinches e punindo golpes abaixo da cintura. Segundo alguns pensadores isso é coisa da nossa jovem democracia que ainda está engatinhando (mas pelo menos já deveria ter trocado as fraldas faz tempo).

Com a crise, a sociedade e até o Congresso vão se adaptando. Líderes do governo adotaram uma dieta tropical, trocaram o elefante na sala e o engole sapos, por uma cesta básica mais natural. Todo dia tem gente levando um abacaxi para o Congresso que o governo manda. Outras variações têm sido abobrinhas, mandiocas e pepinos.

“É preciso confiar no nosso rumo, afinal estamos todos no mesmo barco” (frase atribuída ao comandante do Titanic, de biografia não autorizada). E continuamos rindo do quê mesmo? E o cordão dos 13 milhões cada vez aumenta mais! Chegamos a tal ponto que tem gente querendo arrumar “emprego” na cadeia:

-- O que é isso?

-- Cavamos um túnel, vamos fugir da cadeia, mano! Tá sabendo?

-- Pra quê?

-- Como pra quê, mano? Semos presidiário, queremo a liberdadis!

-- Tu já viste como está lá fora, ô maluco!? Pra comer pão que o diabo amassou tem gente entrando em fila! Não tem emprego, não tem salário, a violência tá um horror, as escolas um perigo, o trânsito terrível, a saúde sem saúde, aqui tu tem cama, banheiro, roupa lavada, rango no horário, banho de sol, visitas íntima, segurança 24 horas, telefone celular, jogo de futebol, aulas de alfabetização, seu cunhado não vem almoçar nos fins de semana. Tu sabe quanto nóis tá valendo? O Brasil gasta dois mil e quatrocentos real com cada um de nóis por méis, enquanto um estudante do ensino médio custa dois mil e duzentos real por ano, mano. Se liga! Onde é que tu vai arrumar uma grana dessa por mês e sem despesas? O Brasil gasta vinte bilhão com a gente todo ano, se liga. Mano, a cadeia recebe mais dinheiro que muito ministério do governo.

-- Como é que tu sabe tudo isso?

-- Lendo! Nóis ganha até benefícios quando lê um livro por mês, muito mais que os mané por aí que nem escola tem. Tu vai querer largar essa boa vida pra quê?!

-- Ei! Mano, fecha o buraco!

Todo mundo tem direito a um lugar ao sol, desde que possa pagar pelo preço do bloqueador solar.

José Feliciano -- Redator de humor e mistérios -- médico do Titanic.