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Do sonho de ser médico

05 de Outubro de 2019 às 00:01

Do sonho de ser médico Crédito da foto: Erick Pinheiro / Arquivo JCS (17/6/2019)

Edgard Steffen

Aos 95 anos de idade, falece em Sorocaba o médico João Cancio Azevedo Sampaio. (CS 27/09/2019)

O necrológio destaca a atuação social e maçônica do benemérito médico. Sobre ele, assim manifestou-se Laelso Rodrigues (presidente da Perseverança III): “Foi um irmão assíduo que, com seus cargos em diversas entidades, muito trabalhou pelo social, e cuja perda deixará um vácuo muito grande.”

Para nós, da 1ª turma da Faculdade, foi o último sobrevivente entre professores e assistentes que atuaram em nossa formação médica. Para defini-lo bastaria a palavra gentleman. Vestindo terno e gravata ou roupa branca profissional, irradiava classe e distinção. Nunca o ouvimos imprecar ou vituperar alguém. Foi destacado partícipe na história da Faculdade de Medicina de Sorocaba. Além de secretário-geral da fundação mantenedora e da própria faculdade, teve seu nome incluído na lista docente enviada ao MEC (Clínica Cirúrgica e Urologia) para aprovação da pioneira escola médica fora de uma capital de Estado. Curiosidades: na primeira cirurgia realizada na Maternidade Santa Lucinda (1950) Dr. João Cancio atuou como anestesista. À época cirurgiões operavam com raque ou anestesia local. Narcoses eram realizadas pelas freiras e auxiliares de enfermagem. Foi o 1º médico a realizar anestesia geral para que o colega pudesse operar. Também foi quem, após a aula inaugural, orientou os passos necessários à fundação do centro acadêmico (10/3/1951).

Em artigo muito bem escrito, a dupla Fabiana Cambricoli e Werther Santana abordou, no Estadão, o sonho de brasileiros estudantes de Medicina em países vizinhos. Pasmem. Em Pedro Juan Caballero (116 mil habitantes) existem nove faculdades de medicina. Não realizam vestibulares. Oferecem mais vagas que a totalidade das oferecidas por todas (você não leu errado, não!) por todas as universidades públicas do Brasil. Embora se pague tudo -- de simples requerimento até o uso de material -- as mensalidades são menores que as de faculdades particulares brasileiras. Aluna entrevistada afirma ter cursado Anatomia sem ter visto um corpo sequer. Pergunta que não quer calar: Onde encontram corpo docente e hospitais para viabilizar todas essas faculdades?

Impossível não comparar. Sorocaba -- 110 mil habitantes, cinco hospitais gerais totalizando 530 leitos, além de Manicômio, Hospital de Tuberculose e Asilo Colônia para hansenianos -- tinha porte comparável ao da cidade paraguaia quando teve aprovado seu projeto de sediar escola médica (1950).

O MEC exigiu plantas das instalações (prontas e futuras) dos laboratórios, do hospital-escola, rol demonstrativo de corpo docente devidamente qualificado para o ensino da Medicina. Além de plano de funcionamento e sustentabilidade financeira garantida. Poderia ter aberto os vestibulares em 1950, mas o Conselho Técnico preferiu usar o ano para a montagem dos laboratórios de Anatomia e Histologia e preparo do material didático a ser usado nas cadeiras básicas. Bem diferente do que relata a reportagem. Galpões em rua de terra, falta de laboratórios e serviços de saúde adequados à prática médica. Para os estágios obrigatórios, inerentes ao aprendizado, verdadeira diáspora dos universitários aos hospitais da região, inclusive do Brasil.

Nossa Faculdade foi criada para suprir a falta de médicos no interior de São Paulo. Oferecia aprendizado em ambiente mais tranquilo e menor custo de vida. Vestibulares rígidos cuidaram da seleção dos candidatos. Hoje é centro respeitado e bem avaliado*

O volume das vagas nos países vizinhos sinaliza para um aproveitamento comercial da lei de oferta e procura. Os futuros colegas, livraram-se dos vestibulares, mas terão de enfrentar barreira muito pior -- o Revalida. Os registros mostram que menos de 20% são aprovados na primeira tentativa.

Antes que me esqueça, João Cancio fez parte da banca examinadora (Biologia) do 1º vestibular da Faculdade de Medicina de Sorocaba.

(*) 4 estrelas para o máximo de 5.

Fontes de consulta: Carneiro, H.F. - A FMS e os 50 anos de sua História.

O Estado de S Paulo Reportagem Especial “Em busca do diploma” - 29/9/2019 págs. A22 e A23

Edgard Steffen é médico pediatra e escritor. E-mail: [email protected]

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