Buscar no Cruzeiro

Buscar

De recém-nascidos e cólicas

03 de Agosto de 2019 às 00:01

De recém-nascidos e cólicas Crédito da foto: Pixabay

Edgard Steffen

Leite de vaca é ótimo... para o bezerro!

(De um velho professor de pediatria)

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) comemora mais um Agosto Dourado. A “douração” do mês tem por objetivo intensificar ações de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno. Na abertura da comemoração, a Dra. Luciana Rodrigues Silva, presidente da SBP, desafia os pediatras: “O que você tem feito para fortalecer o aleitamento na sua rotina profissional, dentro e fora dos consultórios?” (sic)

Sua atuação faz a diferença -- é o mote neste ano. Lembra que aos pediatras cabe tirar dúvidas, incentivar a mãe, estimular a participação do homem (pai, parceiro, companheiro) e apoiar a família. O genitor deve acompanhar de perto a gestação, parto, puerpério. Deve conhecer pormenores da amamentação, “assumir tarefas e respeitar o tempo da mulher e seus sentimentos, apoiando a lactação” (sic). Muito oportuna a inclusão do companheiro no incentivo ao aleitamento exclusivo nos seis primeiros meses e no prolongamento da amamentação até os 24 meses.

Idoso e aposentado, pouco posso fazer para engajar-me na luta de estímulo ao aleitamento natural. Dizem -- e é pura verdade -- idosos repetem muito suas histórias. Neste honroso espaço desde 2003, corro o risco da repetitividade, mas volto a abordar o tema amamentação.

Costumava comparar mãe de primeira viagem a uma ilha. Esta, porção de terra cercada de água por todos os lados; aquela, cercada de palpiteiros. Todos bem-intencionados. Muito ouvi durante a função de puericultor. “Criei dez filhos, com leite de vaca (ou marcas famosas em pó) todos vendem saúde.” “Seu nenê está magrinho. É fome! Seu leite é fraco. Seu leite é nervoso...”

O pai, tão inexperiente quanto a mãe, também entra em parafuso e acaba influenciado pelos palpites. Por mais amoroso seja e orgulhoso da paternidade, está numa fase em que perdeu a exclusividade no amor da companheira, o que o torna subliminarmente mais vulnerável aos pitacos.

Na fase produtiva de minha profissão, preguei a volta à amamentação exclusiva, como quem prega um evangelho. Promovi cursos (com a participação de grandes nomes da especialidade), mesas-redondas e concursos (com auxílio da indústria farmacêutica). Apoiado em multimídia do MS, dei aulas e palestras em auditórios, teatro, clube de serviço, até em vagão de ferrovia. Preparei trabalho, não publicado, sobre as citações bíblicas referentes, direta ou indiretamente, ao aleitamento materno.

Certa paciente acreditou com tanta veracidade e contrariou minha orientação. Ante curva ponderal quase horizontalizada, receitei mamadeira para complementar alimentação da filha. Sumiu do meu consultório. Quando voltou, a menina tinha mais de 1 ano. Erguendo o queixo, entre desafiante e orgulhosa, a jovem me encarou: “Não dei mamadeira! Veja como ela está bem! Estava”.

Muitos bebês têm cólicas nas 12 primeiras semanas. Acontece mais com o primogênito. Por que os antiespasmódicos pouco adiantam? Em minha visão empírica, “cólicas” não passam de expressões de um ser, antes protegido no conforto do ventre materno, capaz de captar angústia dos que o cercam. Mãe, pai, avós, comadres... e, pasmem! até do pediatra inseguro.

Por que o bebê que toma mamadeira, dorme mais? O leite hetero-específico tem menor digestibilidade. Produz “efeito feijoada” na criança. A sensação de que o nascituro foi alimentado, desarma a ansiedade dos adultos. As pseudocólicas cessam. Efeitos colaterais: desmame precoce, obesidade e propensão às alergias.

Como dizia o velho pediatra Dr. Carlos Prado. Leite de vaca foi feito pro bezerro! Seja in natura ou processado e modificado pela indústria de alimentos. Para o filhote de homem bom mesmo é o leite de mulher. Da produção ao consumo sem intermediários.

Para dourada e adorada Olívia

Agosto Dourado, 2019

Edgard Steffen é médico pediatra e escritor -- [email protected]