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De Pedras e Flores

03 de Novembro de 2018 às 08:25

A pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a pedra principal angular. (Palavras do Salmo 118, repetidas por Jesus no Evangelho de Lucas 20:17)

Dois judeus foram especiais amigos meus. Gricha Vorobow, colega da 1ª turma na Faculdade de Medicina de Sorocaba, dignificou a profissão exercendo funções de assessoria e docência em Administração Hospitalar na Faculdade de Saúde Pública (USP) e na Secretaria de Estado da Saúde (SP). Bernardo Bedrikov, um dos pioneiros na Medicina do Trabalho, militou na OIT (Organização Internacional do Trabalho da ONU) em Lima (Peru) e Zurich (Suíça). Casou-se com Ana de Barros Bella, neta de Quinzinho de Barros. Costumava visitar-nos quando vinha a Sorocaba.

No sábado anterior, homem armado de fuzil AR-15 e duas pistolas automáticas matou 11 judeus que rezavam as preces matinais numa sinagoga. Também feriu 6 outras pessoas, inclusive policiais. Na mídia, uma foto chamou minha atenção. Nas proximidades da sinagoga de Pittsburgh (USA), a primeira-dama norte-americana deposita uma pedra no memorial aos 11 judeus assassinados.

A imagem de Melanie Trump reportou-me às últimas cenas de premiado filme de Steven Spielberg. “A Lista de Schindler” -- detentor de 7 óscares -- narra a interação entre empresário, nazistas e judeus do gueto de Varsóvia. Nas cenas finais, sobreviventes dos campos de extermínio depositam pedras sobre a lápide de Oskar Schindler -- empresário alemão oportunista que usou mão de obra barata retirada dos guetos para a fábrica de panelas comprada aos próprios judeus. Financiado por eles e com orientação do contador Itzhak Stern (Ben Kingsey, no filme) escolhia trabalhadores (as) e os (as) colocava sob sua proteção. Perto do fim da guerra, convenceu seus amigos nazistas que poderia produzir para o esforço de guerra. Na verdade, em oito meses produziu somente um vagão de munição. Relatórios falsos escondiam a baixa produtividade dos 1.200 judeus listados, por ele e Itzhak Stern. O Memorial Israelense do Holocausto concedeu-lhe o título “Justo entre as Nações”. Oskar Schindler, pobre e quase esquecido, faleceu em 1974. Sepultado em Israel.

Qual a mensagem das pedras? Andei lendo a Bíblia e navegando na www para melhor entender o significado da cena. Nas regiões habitadas pelos hebreus havia apenas vegetações rasteiras e poucos cursos d’água. Ecossistema desprovido de grandes árvores para servirem de referência.

Pedras foram usadas para marcar lugares importantes. Abraão usou grande pedra para o sacrifício de Isaac (ou Ismael, na versão islâmica) impedido pela Divina Providência (Gen.22:10). Jacó -- patriarca que deu origem às 12 tribos -- erigiu em coluna a pedra que lhe servira de travesseiro e a ungiu com azeite marcando Betel como local sagrado (Gen.28:18). O seixo mais conhecido é o escolhido por Davi para ferir Golias -- o campeão dos filisteus (I Samuel 17:49).

Pedras menores, arredondadas pela erosão fluvial, serviam para avisar passantes de que aquele solo não deveria ser profanado. Daí teria nascido o costume de homenagear os mortos com pedras arredondadas, livres de musgos ou sujidades (símbolo dos pecados?). O gesto seria a expressão de que o amor pela pessoa lembrada continuaria firme mesmo na sua ausência. Pedregulhos são duradouros; flores logo murcham e fenecem pela ação do sol e dos ventos, quando depositadas no campo santo.

Nesta véspera de Finados, levarei flores às pessoas que me foram caras. Aos dois amigos -- Gricha e Bernardo -- seja esta crônica equivalente a pedra lisa, limpa e arredondada depositada sobre suas derradeiras moradas neste mundo de Javé e dos homens.

Fontes -- Wikipedia -- FSP -- Bíblia Sagrada https://medium.com/@jaquepeixer

Edgard Steffen é médico pediatra e escreve aos sábados neste espaço -- [email protected]