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De Dilma a Bolsonaro

31 de Dezembro de 2020 às 17:43

Crédito da foto: Reprodução / Internet

William Waack

A década que começou com Dilma e vai terminando com Bolsonaro tem uma extraordinária constância. Nossas mazelas continuam praticamente as mesmas. Apenas mais escancaradas por uma pandemia que expôs (e também agravou) problemas que já existiam. Nesse sentido, não se pode falar de uma década que começa e termina com sinais trocados. A incompetência governamental e nossa complacência em sua essência seguem as mesmas.

Sim, Dilma foi a vítima da tortura praticada por um regime de exceção, que Bolsonaro teima em exaltar. Por mais abjetas e fracassadas as ideias que ela defendia, não há nada que justifique tortura, especialmente por órgãos de Estado, como aconteceu na ditadura militar brasileira. É um aspecto que o capitão Bolsonaro ignora e que exércitos profissionais de democracias abertas, como na França (na Argélia), Estados Unidos (por último, no Iraque) e Israel (na Intifada de 1987) reconhecem como destruidor da moral da força armada e se empenham em condenar.

A sociedade brasileira segue exibindo a mesma tolerância em relação a pragas nacionais há tempos estabelecidas: injustiça social, miséria disseminada, violência endêmica, corrupção e incompetência governamental.

São características com as quais se podia descrever o Brasil de 10 ou 20 anos atrás, e a onda disruptiva de 2018 não ofereceu resultados até aqui convincentes para alterar fundamentalmente esse quadro. As comparações internacionais nada nos proporcionam para se orgulhar em termos de nível de desenvolvimento humano e, especialmente, educação, que continua sendo entendida no Brasil como ferramenta e não como valor em si.

Nas comparações mais recentes estamos capengando para proteger nossa população da Covid 19. Os que primeiro começaram a vacinar estão em todas as regiões do mundo. Nessa lista figuram ricos e emergentes, países gigantes e pequenos, regimes abertos, democracias liberais, monarquias absolutistas, a ditadura comunista da China, variadas etnias, as principais denominações religiosas (entre os latino americanos, governos de esquerda e de direita).

O atraso brasileiro na questão da vacinação é uma vitrine expondo nossos limites estruturais. O sistema de governo, possivelmente o pior do mundo, mantém Executivo e Legislativo em choque constante, agravado pela insegurança jurídica emanada de um Judiciário que não foi feito para governar, mas está governando.

O podre sistema de representação política é fator preponderante para entender a falta de lideranças abrangentes e enraizadas -- um grande déficit em situações de crise econômica e sanitária que se reforçam mutuamente. A força dos regionalismos e o egoísmo de suas respectivas elites -- não só as geográficas, mas as de diversos segmentos sociais e econômicos nos fazem assistir à concorrência dos entes da federação.

Há aspectos peculiares na incompetência demonstrada pelo atual governo no trato da pandemia, mas incompetência em várias questões, agudas ou não, causadas pela “sabedoria” de chefes do Executivo (só lembrar o que Dilma fez com o setor elétrico, por exemplo) tem sido recorrente.

No plano mais abrangente, para um País que cultiva a imagem de ser dono de um futuro brilhante, estamos sendo extraordinariamente incompetentes em chegar lá. Nossa distância nesses dez anos em relação às economias mais avançadas aumentou -- e estamos há mais tempo do que isso estagnados em matéria de produtividade e competitividade internacionais.

É confortável apontar o dedo acusador para este ou aquele governo do começo ou do fim da década. O fato é que nós os colocamos lá.

William Waack é jornalista e apresentador da CNN.