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Das sagradas pedras

10 de Novembro de 2018 às 09:45

Ilustração: Vanessa Tenor

Você nunca chegará ao seu destino se você parar para atirar pedras nos cães que latem (Frase atribuída a Winston Churchill)

Pelo jeito, gostaram da crônica sobre as pedras depositadas nos túmulos israelitas. Costumo sentir aprovação (ou desaprovação) aos textos pelos contatos internéticos ou aqueles colhidos em minhas andanças pela cidade. Um amigo me interpela: “Tava bom, mas você esqueceu a pedra principal”. Conhecedor da fé que professa, tenho a certeza de que se referia a Mateus 18:8: Tu és Pedro e sobre esta pedra...

Nos idiomas originais (hebraico, grego, aramaico) devem existir vocábulos diferentes para cada tipo de pedra. Usei pedra -- palavra que aparece 32 vezes no Velho e 47 vezes no Novo Testamento da Bíblia (trad. João Ferreira de Almeida) -- num sentido amplo. O verbete em nossa inculta e bela tanto serve para se referir à grande pedra do Monte Moriá ou à que fechava o sepulcro de Jesus; também serve ao pedregulho colocado na funda de Davi, ao meteorito inserido na Caaba (em Meca) ou às usadas no apedrejamento do(a)s condenado(a)s segundo a antiga lei mosaica.

O Moriá seria Monte do Senhor Proverá porque, nele, o encontro de um carneiro enroscado num arbusto evitou que Abraão sacrificasse Isaque (ou Ibrahim sacrificasse Ismael). Virou solo sagrado para as duas religiões. Sobre ele foi construída Jerusalém e a Mesquita de Omar.

O provável meteorito -- pedra negra de 50 cm de diâmetro -- é uma das relíquias mais sagradas do Islã. Segundo a tradição foi trazida a Ibrahim pelo anjo Gabriel. Seria branca no Éden, mas enegreceu pelo pecado dos homens.

Execução da pena de morte a pedradas seria ordenança mosaica no Levítico e Deuteronômio. Quando Jesus desafiou os que apedrejariam a mulher adúltera -- Aquele que dentre vós estiver sem pecado, seja o primeiro que lhe atire pedra (João 8:7) -- impediu fosse aplicado o previsto em Deuteronômio (22:22-23). Esse capítulo também determinava: Que noivo enganado por suposta virgem, poderia exibir as vestes e lençóis nupciais sem as marcas de sangue; sairia ileso e a moça condenada ao apedrejamento.

Pedras de todos os tipos e tamanhos é que não faltavam na região. Que o diga Estevão, o primeiro mártir, apedrejado até a morte sob às vistas do fariseu Saulo. Este, convertido na estrada de Damasco e adotando o nome Paulo, tornar-se-ia o grande apóstolo do Cristianismo.

Creio que a mais importante pedra foi aquela usada para fechar a tumba, cedida por um certo José, morador em Arimateia. As mulheres que vieram completar os preceitos de conservação do corpo de Jesus, acharam-na removida. No túmulo, apenas lençóis. Foi a primeira prova da ressurreição. Como diria Paulo Se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa fé e a nossa pregação (I Coríntios 15:14).

Apedrejamento, sem destinar-se ao cumprimento de lei alguma, é o que está acontecendo com o Presidente eleito. Cobram-no antes de iniciar o mandato. Não poderá cumprir tudo o que prometeu. Existem cláusulas pétreas que não podem ser ignoradas. Nem poderá imitar Sísifo, condenado a levar grande pedra ao cume da montanha, de onde ela rolará obrigando-o a repetição infinita do trabalho inútil.

Imagem do eleito, logo após a vitória, sinaliza para o que será seu governo. Apresentou-se à mídia com 3 volumes. O livro “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”, coletânea de artigos escritos por Otávio de Carvalho¹ aponta para um governo de direita. Outro, a Constituição Brasileira² sinaliza que não haverá ditadura. O terceiro, a Bíblia³ em linguagem contemporânea, indica condução cristã ecumênica do futuro Governo.

Que também se inspire em Cora Coralina: Fiz a escalada da montanha da vida removendo pedras e plantando flores. E Manuel de Barros: “Meditei sobre as borboletas. (...) Vi que elas podem pousar nas flores e nas pedras, sem magoar as próprias asas.

Em Paz, o Brasil agradecerá.

(1) Pensador, hoje radicado nos USA. Organizada por Felipe Moura Brasil Ed. Record, 2013

(2) Constituição “Cidadã”, promulgada em 1988.

(3) “A Mensagem” - Bíblia reescrita por Eugene H. Peterson Ed. Vida

Edgard Steffen é médico pediatra e escreve aos sábados neste espaço -- [email protected]

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