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Curiosas amas de leite

25 de Agosto de 2018 às 08:21

Edgard Steffen

Quando tinha 90 anos, Sara deu à luz Isaac e o amamentou. (Gênesis cap. 17)

Hoje, emponderadas mulheres podem desnudar mamas, seja para amamentar, tomar sol ou atuar nalgum filme ou peça de teatro. Grupos ativistas podem usam topless ao protestar contra atos governamentais. Na internet, encontro absurda frase. Amamentar é ato libidinoso. A mulher experimenta prazer vulgar. Atribuem-na a um tal reverendo (será que ele é?) Jonathan Thornley (1). O site não cita a denominação a que ele pertence. Tenho certeza de que a doutrina denominacional não inclui nem apoia essa heresia. Concordo que a nutriz experimenta prazer em alimentar seu rebento e este exprime satisfação pondo olhos nos olhos de sua mãe. Chamar de libidinosa esta interação mãe-filho é dar razão a Nietzsche quando escreveu que “O Cristianismo deu veneno a Eros. Mas Eros não morreu. Degenerou, tornou-se vício”.

Eros não preside o ato de amamentar. O amor demonstrado na amamentação corresponde a storge -- afeto especial que leva genitores a cuidar e proteger a prole.

Num trabalho não publicado (1970), coligi referências à amamentação na Bíblia (2). No Velho Testamento 28 versículos mencionam, direta ou indiretamente, amamentação. O Novo Testamento contém apenas 6 menções. Desse trabalho tirei a referência à mulher de Abraão. A importância da amamentação era -- e continua sendo -- tanta que o Pai das três religiões monoteístas ofereceu grande banquete quando, aos 5 anos, Isaac foi desmamado.

Moisés é outro personagem bíblico que pôde ser aleitado pela própria mãe até os 2 anos e meio. Quando completou 3 meses, Joquebede lançou-o ao rio num cesto de vime impermeabilizado por betume. Esperava que o filho escapasse da ordenança do faraó para que se matassem recém-nascidos hebreus do sexo masculino. A princesa egípcia resolveu adotá-lo, mas não tinha como nutri-lo. Miriã, irmã de Moisés, providenciou escrava hebreia para resolver o problema da egípcia. Trouxe a própria Joquebede para alimentar o irmão.

A princesa poderia ter amamentado seu adotivo. Demonstrara instinto maternal para com o “tirado das águas”. Se o colocasse ao peito, a sucção do mamilo, depois de alguns dias, estimularia a hipófise secretar hormônios produtores e ejetores do leite. Muitas avós menopausadas, babás e tias solteiras aparecem na casuística pediátrica amamentando bebês. Até homens foram descritos amamentando.

Não me tomem por mentiroso. O homem pode amamentar. Testut, professor francês de Anatomia Humana (3), descreve: “Dans certains cas, on a vu la mamelle de l’homme s’élever em organization et, comme celle de la femme, sécréter du lait” (fait de Murat et Patissier, fait d’Humboldt, etc)”. Humboldt relata caso de marujo que salvou recém-nascido num naufrágio. Nadou com ele até uma ilha. Para fazê-lo parar de chorar, colocou-o em seu mamilo. Meses após, foram resgatados. O robinsoncruzoé de verdade exibia mamas em plena lactação. O sextafeirinha estava sadio e eutrófico pra ninguém botar defeito.

O bicho-homem tem fixação pelo leite hétero-específico. Amamentado por macacas, Lord Greystocke transformar-se-ia no poderoso Tarzan de Edgar Rice Burroughs (autor que nunca pisou na África). Lobas teriam amamentado Mowgli, de Rudyard Kipling (militar e escritor morou na Índia). Há quem jure que essas ficções foram concebidas sobre episódios realmente ocorridos.

Símbolo da cidade de Roma, fundada 753 AC, loba amamenta Rômulo e Remo. Antes do século XX, o fracasso das tentativas de se usar leites de animais na nutrição de bebês fazem-me pensar que “Loba” poderia ser nome ou apelido de alguma senhora que recolheu ou a quem teriam levado os gêmeos do Rio Tibre.

(1) Veiga, C. -- Amamentação e equívocos -- Folha online.

(2) Traduzida por João Ferreira de Almeida -- Soc. Bíblica do Brasil, 1969.

(3) Testut, L. et Latarget, A. -- Précis D’ Anatomie Descriptive -- 15e. Edition, 1944 -- pag.769). Em certos casos se têm visto os mamilos do homem desenvolverem-se e, como as mulheres, secretarem leite (casos de Murat e Partissier, caso de Humboldt, etc) . Livre tradução.

Edgard Steffen é médico pediatra e escreve aos sábados neste espaço - [email protected]