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Como será o passaporte da vacina?

08 de Abril de 2021 às 00:01

Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro

Atualmente, o grande debate a nível internacional se dá sobre o monitoramento dos Estados que avançam no percentual de sua população vacinada, e as críticas para os Estados que enfrentam maiores dificuldades no cronograma da vacinação. No entanto, simultaneamente também há uma relevante discussão no referente ao passaporte da vacina. É fato que a discussão é conduzida pelos Estados desenvolvidos, como Estados Unidos da América (EUA), União Europeia (UE) e Reino Unido, tratando-se de países que desenvolveram a vacina e possuem as melhores condições financeiras para lidarem com a pandemia da Covid-19. No entanto, alguns aspectos devem ser observados com o intuito de ampliar o debate.

Em Israel, onde mais da metade da população recebeu a primeira dose, o país já começou a implementar o passaporte da vacina. Angela Merkel é uma defensora do uso do passaporte, sendo um dos temas do debate os requisitos para a sua condução. Aqueles que o defendem entre outros argumentos, alegam não ser um fato novo, tendo em vista que já existe a exigência da vacina da febre amarela para alguns países. Um outro argumento é que a imposição do passaporte seria um estímulo para as pessoas se vacinarem logo. Nesse sentido, inicia-se uma outra discussão no âmbito doméstico de cada país sobre a possibilidade de exigir o comprovante da vacinação por parte dos empregadores ou para o uso do transporte público.

O eixo principal é sobre o fato das pessoas que não se vacinam prejudicarem o coletivo, pois o objetivo é diminuir a ocupação de hospitais para que estes consigam funcionar em um padrão mais próximo da normalidade. Por parte da UE se preferiu ainda não utilizar a nomenclatura “passaporte”, mas Certificado de Vacinação. A Comissão Europeia, órgão Executivo da UE recebe as propostas até o final do mês de março, e prevê três meses de prazo para desenvolver a parte técnica para executar o certificado. A função da Comissão é elaborar uma plataforma digital para que os Estados tenham acesso às informações dos 450 milhões de cidadãos da UE com a informação sobre o nome do indivíduo e quando recebeu a vacina. Também deve haver previsão para o caso de indivíduos que não foram vacinados, como o teste molecular PCR-RT negativo, ou um atestado de um médico de que a pessoa está imune.

Segundo a experiência da Comissão Europeia, o fato de 15 Estados membros haverem utilizado ao longo da pandemia troca de informações pelo hub de Bruxelas sobre contato de cidadãos com pessoas infectadas demonstra um conhecimento acerca desse tipo de procedimento em plataformas digitais. Entretanto, algumas questões éticas estão sendo discutidas como a garantia do sigilo de dados, sendo que já houve vazamento de informações, as quais deveriam estar sob sigilo em centros de vacinação. Se for utilizado o mesmo princípio do hub de Bruxelas, as informações permaneceriam no banco de dados do seu Estado de origem, e os funcionários de alfândegas e das redes de hotelaria conseguiriam visualizar essas informações por meio de um QR Code ou de um cartão físico para verificar se o indivíduo foi vacinado.

O debate ético não se encerra, levando-se em consideração que há receio de outras plataformas avançarem no conhecimento de dados antes da Comissão Europeia e os utilizarem em escala global. Até onde podem ser usados esses dados, se poderiam ser disponibilizados para eventos desportivos ou para a indústria do entretenimento são alguns dos questionamentos sem uma resposta plausível. A segurança de que esses dados sobre a vacinação permaneceriam em uso exclusivo para temas fronteiriços proporciona um grande questionamento. A discussão está longe de atender uma pauta trágica para países em desenvolvimento, em que a vacina é um bem escasso. Novamente, Estados em desenvolvimento estão aquém de exercerem algum tipo de protagonismo ou participação no passaporte da vacina.

Profa. dra. Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro, Universidade Federal do Pampa (Unipampa), câmpus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional é doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos.