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Campanha da Fraternidade e Quaresma

23 de Fevereiro de 2020 às 00:01

Dom Julio Endi Akamine

Estamos nos aproximando da Quaresma e da Campanha da Fraternidade 2020, que, neste ano, tem como lema a atitude do bom samaritano: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34). Nas redes sociais, a Campanha da Fraternidade já foi duramente criticada como uma iniciativa pouco evangelizadora e religiosa. Há alguns que chegam a defender explicitamente a sua extinção por parte do episcopado brasileiro.

É preciso aceitar o fato de que a Campanha da Fraternidade deve ser sempre melhorada na escolha de seu tema e na elaboração do material preparado para a sua realização. A mesma necessidade de melhora contínua é exigida em relação à atuação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), das dioceses e dos bispos individualmente considerados. No fim das contas, essa exigência de revisar continuamente para uma permanente melhora é a aplicação prática do princípio de que a Igreja necessita sempre de conversão. Exatamente por isso é que celebramos a Quaresma e a Campanha da Fraternidade.

Mesmo que possamos e devamos aceitar com humildade críticas feitas à Campanha da Fraternidade, creio que ela expressa concreta e pastoralmente o caráter católico da Igreja.

A Igreja não é uma seita. É próprio da seita (uso essa palavra em senso alargado) pensar a sua relação com os outros a partir de um antagonismo insuperável. O pensamento sectário (religioso, filosófico ou político) estabelece uma linha demarcatória muito clara entre os que estão “dentro” e os que estão “fora”, entre “nós” e “eles”. Dentro estão os salvos, os santos, os ortodoxos, os puros, os revolucionários, os progressistas; do lado de fora estão os esquerdistas vermelhos, os excomungados comunistas, os pelegos, os inocentes úteis, os capitalistas opressores, os tradicionalistas retrógados. Evidentemente, com essa lógica, a única possibilidade para “os de fora vir para dentro” é a aceitação pura e simples do próprio pensamento sectário.

Por não ser e não pensar como um grupo sectário, a Igreja Católica procura falar ao mundo de maneira significativa; procura também pessoas de boa vontade com quem deseja colaborar em vista do bem comum. Nesse sentido, a Campanha da Fraternidade exprime bem o senso de catolicidade da Igreja. Sem abdicar de seu sentido religioso de conversão pessoal, sem deixar no esquecimento o que é próprio do catolicismo, ela interpela também os irmãos de outras igrejas, os membros de outras tradições religiosas e os ateus a se envolverem na Quaresma algo tão católico! tomando parte do seu empenho pela elaboração, realização e acompanhamento de políticas públicas em vista da construção de uma sociedade humana, fraterna e querida por Deus.

Não se trata de manipulação dos não católicos nem de renúncia do que é próprio dos católicos. A Campanha da Fraternidade apresenta a todos uma proposta humilde e concreta de mudança de vida. Para os católicos, ela concretiza os exercícios quaresmais. Para os de “fora”, a Campanha da Fraternidade é um apelo significativo e eficaz de colaboração e de encontro.

Muitas críticas podem ser feitas ao modo como a Campanha da Fraternidade é realizada. Ela, infelizmente, pode ser mal-entendida e confundida como um programa de educação para a convivência social destituída da fé; pode ser manipulada para veicular programas políticos partidários; pode ser reduzida a uma aula de sociologia com aparência superficial de religião. Todos esses perigos são reais, e por isso devemos sempre melhorar a realização da Campanha da Fraternidade. Creio, porém, que simplesmente abolir a Campanha da Fraternidade por causa desses riscos é o equivalente a “jogar fora a criança junto com a água com que se deu banho nela”.

A catolicidade sempre implicará para a Igreja uma tensão entre sua santidade que de certa maneira a separa do mundo (ela não é do mundo) e sua vocação ao universalismo que exige que a Igreja viva no mundo, com o mundo e para o mundo. A Igreja Católica, diferente da seita, existe sempre e em qualquer lugar possuindo um dinamismo de tendência universal.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.