Bilhetes a São João

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Crédito da foto: Vanderlei Testa / Arte VT

Crédito da foto: Vanderlei Testa / Arte VT

Vanderlei Testa

Amanhã, 24, é dia de São João. Entre tantas simpatias do povo ao santo, uma delas, a do bilhete para arranjar pretendentes para namorar e casar sai na frente das tradições populares dos festejos juninos. É a chamada simpatia dos bilhetes. A pessoa escreve em pequenos papéis o nome de seus pretendentes em relacionamento. Enrola-os e, coloca em uma vasilha com água. O papel que se desenrolar primeiro indicará o nome do homem ou mulher escolhida para passar a vida ao seu lado. Tenho guardado bilhetes que recebi na minha vida. Coleciono as mensagens escritas de minha filha, neta e amigos. Quase quarenta anos de bilhetes. Gosto de reler aqueles que foram palavras certas em momentos de tristeza e de alegria. Tenho também bilhetes dos meus pais. A neta Carolina desenha e põe as suas linhas rabiscadas com as mensagens escritas com a singeleza de seus sete anos. Um pedaço de papel e uma caneta fazem milagres, renova amizade, transmite paz e confiança. Escrevi este artigo com as lembranças das pastas de bilhetes ao meu lado. Coloquei um som com música de piano jazz da mais pura sintonia de paz. Deixei a emoção das leituras tomar conta do meu ser. Imagino que vocês também têm as suas mensagens de bilhetes guardados. Os bilhetes são como as fotos que recordamos em imagens dos nossos antepassados até o presente. A escrita e imagem nos movem ao fundo da alma, como se fosse o cantinho secreto da intimidade do nosso ser.

Li um bilhete do dia 25 de dezembro de 2002 escrito pela Camila à mãe, por seu aniversário nesse dia. E na simplicidade e autenticidade das palavras nos seus 20 anos de idade: “você é muito importante para mim, essencial na minha vida, na minha formação, naquilo que sou. Obrigada por suas orações, por seu amor”. E no dia dos pais de 1995, quando tinha 13 anos, o meu bilhete veio com “oi pai! Tudo joia? Sabe, o dia dos pais está chegando, apesar de que o Dia dos Pais é todo dia, né! Obrigada pela paciência. Agradeço a Deus por ser meu pai. Tente não se estressar muito.” E uma página inteira com letras mágicas de amor segue seu pensamento que emociona e nos faz sentir o valor do testemunho humano. Há 20 anos, um cartão no ano 2000, chegou com um presente da minha filha. Publico a mensagem porque pode motivar outros filhos e pais a terem coragem de escrever uns aos outros e guardar no coração para sempre. “O melhor pai é aquele que deixa para os filhos o exemplo a ser seguido, como você sempre fez”. E respondo aqui, o que diz a passagem da carta de São Paulo aos Colossenses: “Vós, filhos, obedecei em tudo a vossos pais, porque isto é agradável ao Senhor”.

Os amigos José Desidério, radialista, e Francisco Negrão Duarte, fotógrafo, na época em que estive trabalhando na Siderúrgica N.S. Aparecida, anos 70 a 80, deixavam bilhetes motivacionais de amizade em minha mesa de trabalho. Guardo os bilhetes até hoje. Uma amizade que perdura há mais de 40 anos e que vale uma irmandade de pureza de relacionamento em décadas de convivência. As dezenas e dezenas de folhas de papel sulfite coloridas com desenhos feitos pela neta Carolina, desde os seus dois anos de idade enchem as pastas que guardo com carinho. Sentados no chão do escritório em casa, passamos horas como aluna e professor brincando de escolinha. O que faz as nossas gostosas aulas mais empolgantes é a entrega da folha com o “vovô te amo”. Como já citei um papel e um lápis de cor, transmite emoção e a singularidade de sentimentos que nenhum cartão de crédito um dia comprará. E com a modernidade recebo também no Tik Tok as suas criações.

E tinha os bilhetes das escolas que frequentei na juventude. Muitos deles os professores mandavam em envelopes fechados aos meus pais. Principalmente se eram broncas. Um dia chegou um bilhete contando que eu tinha entrado na sala de aula de agasalho e, segundo a regra da escola, não podia. Mesmo no tempo de frio precisava usar o uniforme de camisa de manga curta. Fui advertido pelo professor e peguei um “castigo” de não poder sair de casa durante dois dias. Ganhei, em 2003, um bilhete dedicatória no livro Testemunhas da Esperança. Foi entregue no dia do meu aniversário pela Silvia e Francisco Pontes. O padre François, autor da obra ficou preso por ser cristão depois de ser nomeado arcebispo coadjutor de Saigon. Ele ficou nove anos em completo isolamento e escreveu muitos bilhetes de anotações que se transformaram nesse maravilhoso livro. O resultado é uma mensagem impressionante de fé que vale a pena ler.

Acredito que os bilhetes que tenho nestas décadas são frutos de palavras que foram semeadas com muito amor, lágrimas de saudade, pensamentos positivos de querer o bem, sentimentos agregadores de esperança. No filme “A Cabana” há uma frase dita: “Viver sem amor é como cortar as asas de um pássaro.” Façamos de nossos bilhetes atos de amor, deixados na lancheira dos filhos e netos, na bolsa dos pais, na carteira da esposa, na cama dos avós enfermos, nos encontros dos amigos que temos e até na caixa postal dos vizinhos, sem cortar as asas da amizade.

Ah, dá tempo até amanhã de você escrever um bilhete a São João! Se não der certo, ore a Santo Antônio e a ele, São João Batista, pedindo a proteção neste tempo de pandemia.

Vanderlei Testa é jornalista e publicitário e escreve às terças-feiras no jornal Cruzeiro do Sul e aos sábados no www.facebook.com/artigosdovanderleitesta