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As riquezas ocultas do Vaticano

09 de Fevereiro de 2020 às 00:01

Dom Julio Endi Akamine

Recebi esta pergunta de um jovem que, creio eu, pode ser também a de muitos outros: “Por que a Igreja Católica ostenta tanta riqueza em ouro no Vaticano, sabendo que existem tantas pessoas passando fome no mundo e Jesus levou uma vida humilde?”

Estive várias vezes no Vaticano e não vi ostentação de riqueza em ouro. Há algumas imagens douradas, mas elas não são de ouro. Visitei várias vezes os museus Vaticanos e também o subsolo da Basílica onde se encontram a cripta dos papas e as escavações arqueológicas. Também nesses lugares não há ostentação em ouro. O que vi, e todos podem ver, é que o Vaticano possui uma grande riqueza artística em imagens, pinturas, construções. Deve-se, porém, levar em conta que esse patrimônio é o resultado de 2 mil anos de história e o acúmulo de mais de dois milênios de uma instituição presente no local e ativa economicamente. Se você tem uma casa que é bem cuidada por gerações sucessivas haverá evidentemente um acúmulo de patrimônio.

Essas riquezas do Vaticano não estão à venda nem podem ser vendidas. Isso por duas razões: trata-se de um patrimônio da humanidade que o Vaticano cuida para a própria humanidade. Vender esses bens para particulares seria negar o acesso de tais obras ao público. Em segundo lugar, a maior parte do patrimônio artístico nem pode ser vendida. Imagine vender a Basílica de São Pedro para fazer dela um shopping center, ou vender a capela Sistina para fazer dela um bar. Não se pode esquecer que as obras de arte foram feitas originalmente como obras de culto. Esse é o caso das estátuas da Pietà e de Moisés de Michelangelo. Imagine tirar essas estátuas do culto público para transformá-las em peças de museu, ou pior ainda, como peças decorativas de um particular.

O fato de ter que conservar todo esse patrimônio artístico gera também despesas. Por vários anos (de 2007 a 2009) o balanço econômico do Vaticano fechou em déficit. Foi preciso do socorro de algumas dioceses para que o Vaticano pudesse pagar todas as suas contas.

A pergunta, porém, permanece. O que a Igreja faz com o dinheiro? Por que não ajuda os pobres?

O dinheiro da Igreja provém da doação dos fiéis e também da produção dos próprios religiosos. Como instituição, a Igreja Católica é a maior instituição beneficente do planeta. Ao longo de sua milenar história, a Igreja Católica fundou escolas, hospitais, universidades, asilos de idosos, orfanatos, casas para acolher moradores de rua e dependentes de drogas. Não há paróquia, casa religiosa, comunidade por mais pobre que seja que não tenha um programa de ajuda aos pobres, de cuidado para com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, atendimento a doentes e idosos. O próprio Vaticano, na pessoa do papa, mesmo quando passa por dificuldades econômicas, tem enviado recursos em dinheiro para ajudar os pobres de Ruanda, o Curdistão iraquiano, Equador, Bangladesh, Jordânia, República Centro Africana, Síria, Filipinas, Indonésia, Haiti, Índia, Uganda, Grécia. Muitas pessoas ajudadas pessoalmente pelo papa não são católicas. Se você desejar pode, por conta própria, pesquisar sobre isso em http://www.obolodisanpietro.va/it.html.

Em nossa Arquidiocese, há várias instituições que cuidam dos mais pobres. Esse é o caso da Santa Casa de Misericórdia. Mas isso não é tudo: há asilos para acolher idosos, casas de recuperação de dependentes, estruturas para educar crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e em conflito com a lei, há programas de recolhimento e de doação de cestas básicas, de roupas e remédios. Há também, em todas as escolas católicas ou de inspiração católica, um programa de bolsas de estudo integrais e/ou parciais.

A Igreja pode fazer mais? Sem dúvida pode e deve fazer muito mais, pois se as chagas sociais persistem é porque há muito a ser feito. Por isso, em vez de ficar criticando a Igreja ou a acusando de ter ouro escondido em não sei lá em que depósito secreto, seria muito mais proveitoso ocupar o tempo se engajando ou se envolvendo em alguma obra de caridade da Igreja.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba