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Pânico o medo de ter medo

14 de Agosto de 2019 às 00:01

Mário Cândido de Oliveira Gomes

Tal universo, no qual a pessoa tem medo até de ter medo, recebeu o nome sugestivo de Doença, Síndrome ou Transtorno do pânico (TP), que afeta 2% da população, começa geralmente na segunda década de vida e predomina no sexo feminino. É uma enfermidade do grupo das ansiedades ou um subtipo de ansiedade, aliás, o sintoma psiquiátrico mais conhecido do ser humano. A sensação de angústia é uma experiência geral do homem, sentida como uma sensação de medo diante da possibilidade de perigo, que ameaça a sobrevivência física ou psíquica. Um grau de ansiedade é normal na vida do indivíduo e pode ser até protetor, pois nos afasta ou prepara para enfrentar os perigos reais ou incertezas e expectativas, porém, acima do nível considerado benéfico é limitante e até invalidante, cerceando a liberdade e todos os atos da vida. De modo geral, 20% da população, ou seja, uma em cada cinco pessoas já sentiu ansiedade pelo menos uma vez de forma grave. No grau máximo, de 20% a 40% dos indivíduos com TP já tentaram o suicídio e de 44% a 60% já tiveram ideia, em virtude da concomitância com a depressão.

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Com efeito, os pacientes com pânico podem evoluir para a depressão sem tratamento adequado. Além das manifestações psiquiátricas mencionadas ocorrem sintomas e sinais neurológicos (tontura, formigamento, dor de cabeça, fraqueza etc); gastrintestinais (boca seca, nó na garganta, náusea, vômito, cólica abdominal e diarreia); cardíacos (palpitação, desmaio, dor no peito); pulmonares (pressão no peito, falta de ar ou sufocação); cutâneos (palidez, suores frios etc); tremores, agitação e tensão muscular, que frequentemente simulam enfermidades físicas, levando o assustado portador ao Pronto-Atendimento ou consultório clínico, quando recebe, após exaustivos exames, a tradicional frase “Você não tem nada”, pois realmente nada é observado no exame físico. Da mesma forma são normais os infindáveis exames de laboratório. As crises agudas são periódicas e repetitivas, aumentando em frequência se não tratadas. Tal quadro leva à busca de socorro urgente, uma vez que o medo da morte é real. A doença do pânico é uma enfermidade psiquiátrica, com alterações dos neurotransmissores, como o excesso inicial de adrenalina, aumento na eliminação das catecolaminas, diminuição do ácido gamaaminobutírico (Gaba) e da condução dos eletrólitos através do canal de cloro etc. Por isso a cafeína, altas doses de adoçantes artificiais (aspartame etcl e até medicamentos para enxaqueca (sumatriptano) podem levar à precipitação das crises. Também existem fortes evidências de transmissão hereditária, sendo que ocorre em 15% a 25% dos familiares de portadores da enfermidade.

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A TP causa grande sofrimento ao paciente, pois além da agressão física e psíquica, ainda é rotulado de simulador, histérico ou, o que é pior, “que não é portador de nada”, um indivíduo absolutamente normal. Por outro lado, a repetição cíclica das crises de urgência deixa os familiares cansados e apavorados, com sensação de insegurança indescritível. Na emergência o tratamento é realizado com benzodiazepínicos associados a um betabloqueador não seletivo. Mas o controle do problema somente é alcançado em longo prazo com associação de medicamentos, sendo indispensável um antidepressivo. Também é importante o apoio psicoterapêutico, associado ou não a técnicas de relaxamento. O tratamento apresenta resultados excelentes, que somente aparece entre a quarta e oitava semana, mas o índice de recaídas também é grande (30% a 75%), principalmente entre o sexto e o décimo segundo mês. Como medida de prudência faz-se o tratamento por longos períodos. Assim é o transtorno do pânico: o portador não tem nada, mas sente tudo. Até o medo de sentir medo.

Artigo extraído do livro de Doenças - Conhecer para prevenir (Ottoni Editora), de autoria do médico Mário Cândido de Oliveira Gomes, falecido aos 77 anos, do dia 6 de junho de 2013.