Complicado

Por

Homem e mulher

Neusa Gatto

Quem você pensa que é, falando assim? Se acha o último biscoito do pacote? Ah, dá licença... Você foi cruel. Eu?, responde o outro repetindo as palavras dela. É, isso, cruel. Você não tá nem aí se o que você fala vai ou não magoar as pessoas.

Enquanto grita ao celular, ela anda por um jardim. Ao lado, um homem, sentado num banco, parece ouvir a conversa. Baixa o tom de voz e começa a rir. Tá tudo tão louco que parece engraçado. Um tremendo “bate e volta” de palavras, frases, queixas, acusações. Ele lá. Ela aqui.

Se tinham ou não significação, não importa. Estava sendo dito. Posto pra fora. Desencalhado do cérebro.

-- Olha, diz ele, estamos discutindo como se fôssemos casados há sete anos.

Sete anos? De onde ele tirou isso? Pensa ela tirando uma cutícula da unha.

Por que sete? Talvez porque dizem que casamentos não resistem às crises dos sete anos.

Vai saber... Mas, que tinha jeito daquelas conversas de fim de casamento: troca de acusações. Culpa desse. Culpa daquele, ah, isso tinha sim...

Mas a culpa não é minha, tratou logo de se defender ela.

Afinal, tudo que dizia se respaldava na realidade. Dela, claro.

Na dele, outra história.

Como as coisas podem ser interpretadas de formas diferentes por um e por outro, raciocinava...

Quem tinha razão? Nem queria saber disso naquele momento. Queria era jogar na cara dele tudo que a incomodava há tempos.

Pela primeira vez, tomara coragem pra ser ela mesma.

Cansara daquele jeito “vai e vem” dele. Parecia até bipolar. Ri do seu pensamento. Mas, não é que, de vez em quando, suspeitava mesmo disso? Vai ter lances diferentes de humor lá na Conchinchina. Um dia, tudo ótimo. No outro, briga. Provocações.

E você? Fala ele do outro lado da linha, como se adivinhasse os pensamentos dela. Parece estar sempre no mundo da lua. Fala umas coisas que também me magoam. Mas, você não vê isso, né? Tá sempre com a razão. Sabe de tudo. Entende de todas as coisas. O idiota aqui que aceite.

Tá, reconheço. E você reconhece? Que também é complicado?

Complicado, eu? Diz ele, irritado.

É, não tá vendo não? Continua ela. Não consegue nem ter uma conversa onde possa reconhecer seus próprios erros.

Olha, fala baixo ele, vamos parar por aqui. Não dá pra discutir essas coisas por telefone.

Pra mim, tudo bem. Cansei também desses contratempos. Somos incompatíveis. É isso que somos, finaliza ela.

Concordo com você, resume ele. Pensa um pouco. Silêncio dos dois lados.

Bom, mas uma coisa tem de bom, né? Continua ele. Pelo jeito é só comigo que você tem conversas desse tipo. E, no final, a gente se entende.

Ela para. Respira. Encerra a conversa. Se despede. Pensa: cada dia entendo menos. Será isso que atrai? Assunto pra terapia...

Neusa Gatto é jornalista e produtora de vídeos.