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A rua Artur Gomes foi um doce ao beija-flor

11 de Agosto de 2020 às 00:01

A rua Artur Gomes foi um doce ao beija-flor Crédito da foto: Lembranças sorocabanas / VT

Vanderlei Testa

Acredito que o melhor jeito de se inspirar a escrever um artigo sobre fábrica de doces é estar saboreando colheres de doce. No caso, um delicioso doce caseiro de abóbora que vi o preparo horas antes na cozinha de casa. Quem era consumidor de uma fábrica artesanal de doces que existia na rua Dr. Artur Gomes vai se lembrar desta história. Quem não era, vai conhecer. Foi nos anos 60. A família de origem portuguesa do Manoel Teixeira Martins comandava o negócio. Tinham vindo a Sorocaba para começar a produção do que mais gostavam de fazer desde os seus antepassados com os pastéis de Belém. Os doces dos mais variados sabores da tradição de Portugal chegaria à terra de Baltazar Fernandes com as mãos dos confeiteiros. Eles criaram uma marca que até hoje, depois de 60 anos, está na memória dos sorocabanos: Beija Flor.

O pássaro que encanta os nossos jardins com o bater de suas asas delicadas em busca do pólen foi o escolhido pela família do seu Manoel. Caminhões baús foram ornamentados com a pintura na lataria em destaque “Doces Beija Flor”. Esses veículos se tornaram presentes em todo o comércio alimentício de Sorocaba e região, rodando pelas ruas da cidade. O amigo Reinaldo, que faz parte desta história, me contou que as balas eram uma atração à parte. O funcionário especializado chamado de baleiro na Beija Flor era o Nelson. Os sabores de hortelã, banana, café, anis, vendiam muito. Encontrei na rede social uma foto dessa época com o caminhão azul da Beija Flor. Lógico que fui ler os comentários. Conto logo mais, depois de relatar que nos anos 70 a fábrica foi vendida com um bom lucro ao seu Manoel.

Um grupo de empresários portugueses de São Paulo, capital, chegou a Sorocaba e “bateu o martelo” na oferta. O seu Manoel não hesitou em transferir seus equipamentos daquela casa e barracão da rua Dr. Artur Gomes, que ia com o seu quintal até perto da escola Padilha. Com o dinheiro para investir na expansão, os novos proprietários decidiram adquirir uma área na Vila Assis, na rua Álvaro Guião, e transferiram as instalações para o bairro Além Ponte. Nesse local, a Doces Beija Flor perdeu seu nome e ganhou outro: “De Malta”. Essa marca ganhou projeção nacional. Os investidores também não resistiram a uma oferta de venda que chegou quatro anos depois com um português de nome Augusto.

O Augusto era um dos sócios da Fábrica de Doces Campineira e queria investir em Sorocaba. Eduardo Augusto Delgado adquiriu em novembro de 1974 o controle da De Malta. Ele veio de Campinas e convidou as filhas Magali e Reinalda e os genros para cuidarem da administração da fábrica. A continuidade da De Malta, também teria a gestão de produção de origem portuguesa da família Delgado. As inovações dessa família atingiriam o mercado de vários Estados do país. Diariamente estacionavam os caminhões com placas de várias cidades na entrada da De Malta. A produção de mais de trinta itens de doces que conquistaram o paladar das crianças e adultos ainda está na lembrança do Reinaldo Beserra dos Reis (foto em festa na De Malta). Ele foi com o seu cunhado Valter Franceschini os gestores com o sogro Augusto Delgado do crescimento da De Malta.

Como citei que li mensagens nessa fase da Vila Assis com a foto do caminhão da Beija Flor, cito duas recordações: a Neli Gonçalves contou que seu tio era o motorista de um desses na época da Beija Flor. Já a Cássia Costa ao ver a foto do caminhão e saber do incêndio que destruiu no dia 3 de agosto de 2020, a “Docelinho”, atual revendedora de doces na Vila Assis, desabafou: “Que triste essa notícia. A fábrica Beija Flor e De Malta pra mim é saudade da minha infância! Remete-me ao cheiro doce que saia das suas chaminés. Morei vizinha na rua Álvaro Guião”.

Reinaldo lembra que a fábrica De Malta tinha cerca de 200 colaboradores. A linha de produção em suas máquinas gerando um verdadeiro perfume no ar com amendoim, coco, açúcar, coco- queimado e tantos outros. Reinaldo ao me responder sobre os doces “carro chefe” da antiga Beija Flor e De Malta, destaca o doce de coco tropical, mistura de cocada com abóbora, paçoquinha, suspiro, maria mole, doce de batata, doce de leite, gibi, amendoim caramelizado em vários outros itens e as tradicionais balas. Tudo caminhava bem em 16 anos, sob a experiência e comando geral do português Augusto, com quem tive amizade em muitos anos com sua família. No começo de 1990 o patriarca Augusto faleceu. O abalo familiar foi grande. A determinação de continuar a De Malta levou a decisão de separação da sociedade. O genro Valter Franceschini ficou por dois anos à frente dessa fábrica. Reinaldo criou a Distribuidora de Doces “Bom Pastor”, onde atualmente é o prédio de uma funerária. Reinaldo me contou que essa década a economia movimentou as indústrias de doces no Estado de São Paulo com marcas famosas entrando no mercado. A concorrência acabou por fechar as duas últimas empresas desde a pioneira Beija Flor, De Malta e a Bom Pastor. Hoje, o Reinaldo é diretor superintendente da Santa Casa de Sorocaba. Um excelente profissional, líder carismático e amigo, vizinho de quatro décadas no Jardim Saira, cuja história de vida eu acompanho com sua esposa Reinalda. Posso afirmar que eles construíram o mais doce das suas decisões em fundar a “Comunidade Dois Corações”, entidade instalada no bairro do Éden, em Sorocaba. O saudoso Valter Franceschini também deixou um legado de trabalho em prol da população através da sua história em parapsicologia.

São histórias de Sorocaba que comemora dia 15 de agosto 366 anos com missa a ser celebrada às 17h, na Catedral Metropolitana, por Dom Julio Akamine.

Vanderlei Testa jornalista e publicitário escreve às terças-feiras no Jornal Cruzeiro do Sul e aos sábados no www.blogvanderleitesta.com e www.facebook.com/artigosdovanderleitesta