A resistência da crônica
João Alvarenga
É evidente que a crônica, em seus variados aspectos de manifestação artística (narrativa, descritiva, reflexiva), é um gênero textual persistente. Isso porque tem sobrevivido a todos os modismos e tendências, desde o seu surgimento. Porém, uma dúvida é latente: afinal, qual é origem dessa forma artística de expressão tão peculiar? No entanto, muitos estudiosos arriscam a pele, ao dizer que a crônica nasceu há mais de dez mil anos. Brincadeiras à parte, podemos inferir que ela fiel é ao tempo. Aliás, isso faz jus à própria etimologia da palavra. Ao investigarmos a origem de vocábulo, percebemos que essa doce palavra faz uma clara referência ao deus grego “Khrónos”, ou seja, o deus do tempo. O “deus” da perenidade.
Assim, há quem afirme que a origem da crônica remonta o próprio tempo. Ou seja, sua origem acompanha as priscas eras (dizem que os escribas do Egito antigo foram os primeiros cronistas da História). A figura de Fernão Lopes é a síntese do cronista-mor do rei. Então, essa forma de registro da emoção humana atravessou os séculos e se mantém presente não só na mídia (seu principal reduto); mas, faz-se viva em constantes publicações.
Além disso, a maneira como os autores focam os assuntos, em suas abordagens, também desafia o princípio de perenidade, posto que os temas, na sua maioria, estão presentes no burburinho da sociedade. Assim, tudo, observa o jornalista Davi Deamatis, um notório amante das crônicas, pode ser objeto de análise desse modo sensível de escrever.
Quiçá, o imediatismo dos fatos “cronicados” pode comprometer a durabilidade dos assuntos. Posto que um acontecimento que, num determinado momento, ganhou repercussão midiática, no segundo seguinte, pode cair no ostracismo. Teimosamente, o cronista tenta eternizar um momento, como se fosse único. Logo, no entender de alguns pesquisadores, a crônica é um dos poucos meios de expressão que se renova constantemente. Tanto que, a cada época, sempre surge uma edição de novos textos que pinçam, do cotidiano, assuntos que nos levam à reflexão. A brilhantíssima Cecília Meireles, com suas crônicas reflexivas, é um brilhante exemplo do quanto esse gênero é inesgotável.
Para confirmar o que foi dito acima, cito o recém-lançamento do livro “Poeser”, de autoria da jovem escritora sorocabana, Ana Cristina Rodrigues Henrique, cuja obra, além de trazer uma coletânea de adoráveis poemas -- formato que a popularizou -- também reservou espaço especial para suas primeiras crônicas. Nesses textos em prosa, a adolescente (ela tem apenas 15 anos de idade) priorizou uma variada gama de temas interessantíssimos que nos revelam uma verdade inevitável: a jovenzinha está amadurecendo! Claro que os leitores que a acompanham, desde o seu primeiro livro “Sementes de Ana Cristina”, perceberam isso. Afinal, ela optou por aventurar-se num gênero que ainda não havia arriscado. Mais que isso, falou de questões que dizem respeito ao mundo dos adultos.
Nesse contexto, a persistência da crônica se evidencia pelo fato de que ao longo de toda a história da literatura inúmeros escritores enveredaram por esse caminho que, no dizer de Machado de Assis, não passa de uma agradável conversa entre comadres num fim de tarde. Sem tanto glamour, a crônica, principalmente a narrativa, já foi considerada a “prima pobre” do romance. Mas, a agradável coleção “Para gostar de ler”, da editora Ática, é um exemplo de como a crônica foi injustiçada. Mesmo assim, alguns questionam: por que esse gênero supera os romances consagrados? A resposta virá na próxima quinzena. Até lá!
João Alvarenga é professor de Língua Portuguesa, mestre em Comunicação e Cultura, produz e apresenta, com Alessandra Santos, o programa Nossa língua sem segredos, que vai ao ar pela Cruzeiro FM (92,3 MHz), às segundas-feiras, das 22h às 24h.