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A qualidade da democracia demanda representatividade feminina

31 de Dezembro de 2020 às 19:24

Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro

No ano de 2020, em que a pandemia da Covid-19 foi o principal tema de debate a nível internacional, bem como no âmbito dos países, a discussão sobre a qualidade da democracia foi também uma pauta de caráter urgente por parte de alguns Estados.

A temática é de grande relevância, tendo em vista a percepção por parte de analistas de que há uma recessão democrática global. As consequências econômicas geradas em decorrência da Covid-19, de fato, aceleram essa discussão em países que realmente consideram a democracia como a melhor forma de governo per se.

Alguns governantes se preocupam com essa realidade, antecipando problemas em um futuro próximo, como a chanceler alemã, Angela Merkel, que antevê um difícil cenário a partir de uma potência não democrática como a China.

Simultaneamente, a crise provocada em decorrência da pandemia favoreceu o apoio a chefes de Estados qualificados como grandes estadistas, como o primeiro-ministro dos Países Baixos, Mark Rutte, que pretende, em março de 2021, ser o líder do Partido Popular para a Liberdade e Democracia, em neerlandês Volkspartij voor Vrijheid en Democratie (VVD). Não obstante as críticas que existam para Rutte, em dez anos de governo, o primeiro-ministro elevou o padrão político de cooperação, em um contexto de confronto político a nível mundial.

Nos Estados Unidos da América (EUA), a eleição presidencial que aconteceu esse ano foi a que teve a maior quantidade de eleitores em um sistema eleitoral em que o voto é facultativo. No entanto, a polarização política vivenciada na eleição estadunidense, demanda uma análise sob o ponto de vista jurídico, político, econômico e antropológico, de forma a haver um melhor entendimento acerca da motivação do voto do eleitorado.

Conforme Avi Tuschman, argumenta em seu livro, “Our political nature: the evolutionary origins of what divides us”, sendo uma obra de alta relevância não somente para o entendimento do fenômeno que ocorre nos EUA, mas sobre a política mundial.

Tuschman alerta sobre os riscos da polarização política, ao mesmo tempo em que utiliza bases na área de antropologia, neurociência, genética e primatologia para explicar a origem da orientação política dos indivíduos. O livro tem sua origem em dez anos de pesquisa na Universidade de Stanford, e na prestação de consultoria para chefes de Estado na formação da opinião pública.

No caso do Brasil, a situação é de elevada complexidade, pois além da escassez de debates profícuos sobre uma melhor qualidade da democracia, existe a vergonhosa situação da falta de representatividade das mulheres na política.

Se nos EUA acaba de ser eleita a primeira vice-presidente mulher, Kamala Harris -- em sua trajetória admirável, e como uma possível primeira presidente mulher daqui a quatro anos --, fato este que sinaliza necessárias mudanças para a sociedade internacional, em território brasileiro há uma baixíssima representatividade feminina na política.

No ranking da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil não se encontra nem entre os 40 países do mundo em termos de representação feminina na política. O Chile e a Colômbia são os únicos países da América do Sul que estão na lista de 2019.

Quando se analisa a representação das mulheres no parlamento, a situação brasileira segue dramática. Verifica-se que a situação é péssima ocupando a 133ª posição. As mulheres são a maioria na população e não possuem voz. A ausência de representatividade de modo efetivo significa que a legislação é produzida sem atender às necessidades femininas.

Simultaneamente, esses dados são bastante condizentes com a realidade brasileira, em que ainda predomina a cultura de se levantar o tom de voz para uma mulher. Além de possuírem uma remuneração inferior em descompasso com o maior nível de estudo, sofrerem desrespeito constante no País.

Profa. dra. Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro — Universidade Federal do Pampa (Unipampa), câmpus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional — é doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos.