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A persistência do soneto

26 de Abril de 2019 às 07:01

João Alvarenga

De origem controversa, o soneto é uma forma fixa que atravessou os séculos e mantém-se presente, em plena era da tecnologia digital, como uma autêntica referência do que há de mais delicado e belo na arte versejar, dentro de um rígido padrão formal de refinado gosto, tanto para quem o pratica quanto para quem o aprecia. Nesta abordagem, focarei detalhes sobre as origens desse modo peculiar de fazer poesia que tanto desperta o interesse dos estudiosos e, também, dos praticantes do bom verso.

De certo modo, em termos estruturais, o soneto, desde quando foi concebido, no século 13, não sofreu grandes alterações em sua estética, pois até hoje é composto de quatorze versos, sendo dois quartetos e dois tercetos. Vale ressaltar, ainda, que o rigor métrico, a temática universal e a linguagem refinada tornam essa construção artística especial, pois os versos evidenciam a principal sua marca: a sensibilidade à flor da pele, sem beirar o kitsch.

Ademais, ao longo de mais de dez séculos, poetas consagrados da literatura universal -- de Luís Vaz de Camões a William Shakespeare, de Dante Alighieri a Miguel de Cervantes, de Florbela Espanca a Olavo Bilac -- dedicaram atenção redobrada a essa dificílima forma de fazer poesia, pois exige capacidade de criar rimas ricas, além de trabalhar a mensagem de modo condensado, preciso e, ao mesmo tempo, surpreendente. Aliás, são essas características que colocam essa arte como a preferida daqueles que amam a verdadeira poesia.

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Todavia, cabe, aqui, uma observação importante: foi a lírica camoniana que, não só ajudou a popularizar essa engenharia poética, nascida na Sicília, como imortalizou tal forma de poetizar os sentimentos, cuja paternidade é atribuída, pelos teóricos, ao poeta siciliano, Jacobo Lentini; porém, para fazer justiça, coube ao famoso Francesco Petrarca à missão de aperfeiçoar essa pequena canção (tradução da palavra soneto, do italiano sonetto).

Consta, também, que o trabalho de Petrarca foi tão eficiente, ao formatar o soneto na medida nova (dez sílabas poéticas), que essa forma entrou para a história da literatura como “soneto petrarquiano”. Todavia, foi pelas mãos de Sá de Miranda que o soneto chegou às terras lusitanas que, ao retornar da Itália, entregou a novidade a Camões, que não só se encantou com tamanha perfeição artística, como adotou tal fórmula para compor belíssimos sonetos de amor. Os versos: “O amor é fogo que arde sem se ver/ é ferida que dói e não se sente...” ressoam no imaginário popular.

No entanto, a obra desse importante poeta é divida em dois momentos: Camões Épico (Os Lusíadas) e Camões Lírico, composta de sonetos e redondilhas. E, embora os especialistas exaltem a saga de Vasco da Gama a caminhos das índias, é o lado lírico que mais produziu legado, ao longo da história. Assim, a partir do século 16, todos os poetas beberam dessa magnífica fonte de inspiração, com destaque para as provocações do baiano Gregório de Mattos Guerra, o “Boca do Inferno” ou, então, as inquietações do simbolista Augusto dos Anjos, ou mesmo as reflexões de Raimundo Correia, pertencente ao Parnasianismo, que adotou o soneto como modelo ideal de criação poética.

Para concluir, é bom frisar: ainda que a primeira fase do Modernismo tupiniquim tenha decretado o fim das formas fixas, a geração de 30, para o bem da própria literatura, resgatou não só o soneto, como também a elegia e a ode. O “Livro de Sonetos”, de Vinicius de Morais, representa com elegância esse resgate. Em Sorocaba, Nicanor Filadelfo Pereira mantém viva a tradição do soneto parnasiano, com rimas que esbanjam talento e criatividade. No próximo encontro, focarei o universo das rimas. Até lá!

João Alvarenga é professor de Língua Portuguesa, mestre em Comunicação e Cultura, produz e apresenta, com Alessandra Santos, o programa Nossa língua sem segredos, que vai ao ar pela Cruzeiro FM (92,3 MHz), às segundas-feiras, das 22h às 24h.