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A ocasião faz o ladrão

03 de Setembro de 2020 às 00:01

A ocasião faz o ladrão Crédito da foto: Divulgação / Pixabay

Tulio Pereira Cardoso

O escritor brasileiro Joaquim Maria Machado de Assis, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e seu primeiro presidente, dizia que não é a ocasião que faz o ladrão, mas que “a ocasião faz o furto, o ladrão nasce feito”. Não podemos sugerir que vítimas de roubo facilitem a ação criminosa, nem tampouco que todos somos ladrões, desde que apareça a ocasião. Honestidade é um atributo de caráter honrado. É qualitativa e não quantitativa. Não existe indivíduo 30% honesto. Aliás, porcentagens frequentemente denunciam o desonesto. Corrupto é quem corrompe e se deixa corromper, nasce assim, só precisa de um empurrãozinho, ou a ocasião.

O filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau que viveu na França, acreditava que o homem nasce bom mas é corrompido pela sociedade. Já o inglês Thomas Hobbes, filósofo, matemático e pensador político do século XVII afirmava que devido ao instinto de sobrevivência a qualquer custo, o homem nasce mau. Hobbes dizia que a sociedade tinha o importante papel de educar, humanizar e tornar o homem sociável impondo ao mesmo disciplina e obediência.

Usar uma oportunidade para crescer nos negócios ou na carreira profissional e até mesmo política, não é necessariamente um ato desonesto. Tirar vantagem prejudicando outros de forma perversa e incorreta revela o ladrão. Não lembro exatamente se em livro ou palestra, o filósofo e escritor Mário Sérgio Cortella comenta que o homem que se vende, sempre vale menos do que pagaram por ele.

Há poucos anos, durante a greve das polícias no Espirito Santo, ocorreram inúmeros saques ao comércio, ônibus foram incendiados e a baderna foi generalizada na capital Vitória. Ocorreram mais de 100 assassinatos em aproximadamente 10 dias. Quem eram os baderneiros? Quem era a população transgressora? Fez lembrar Nelson Rodrigues que disse: “a consciência do brasileiro é a polícia”.

Segundo a revista britânica The Economist, os índices de criminalidade em países ricos e desenvolvidos diminuem à medida que o criminoso tem mais medo de ser pego. Parece que o medo não tem relação com a severidade da pena, mas com a certeza de que será punido.

No Brasil, os escândalos de corrupção chegaram ao ponto de banalizar essa atitude. As pessoas já veem isso como normal. A impressão é que não acreditamos nem em quem faz as leis e nem em quem pune o infrator. É uma soma de não temer ser pego, e se o for, não temer ser punido.

O site http://www.transparency.org mostra a relação direta entre nível de corrupção de um país e índices de criminalidade. Infelizmente a teoria do levar vantagem em tudo, a conhecida “lei de Gerson” faz com que os fracos de caráter utilizem essa presumida esperteza em seu favor e em detrimento do outro. Sempre considerando que o outro faria o mesmo. Parece que aqui tem sempre um jeitinho. Tem sempre alguém que solte e perdoe.

Pesquisadores da University College of London, na Inglaterra, e da Duke University, nos Estados Unidos, publicaram na revista Nature Neuroscience em 2016 pesquisa observando a atitude de pessoas expostas a situações, nas quais teriam vantagens comportando-se de forma desonesta. Os mecanismos neurológicos observados no experimento demonstraram o esperado: a desonestidade foi aumentando, progressivamente, à medida que as vantagens pessoais beneficiavam os pesquisados em detrimento dos seus oponentes.

Lamentavelmente durante essa pandemia viral, assistimos os mais diferentes tipos de oportunistas agindo de maneira desenfreada. Está nos jornais e nas televisões. Não estou inventando nada. De empresários a políticos, e em quase todas as atividades, indivíduos inescrupulosos aproveitam a ocasião para locupletar-se. Aumento de preços de itens essenciais, ou não, está muito acima do razoável. Falsos religiosos travestidos de pastores, missionários e apóstolos propagam curas milagrosas totalmente mentirosas e informam o banco, agência e conta corrente para depositar pelo milagre. Políticos e gestores públicos sendo presos por compras superfaturadas e mesmo inexistentes. De respiradores!!!

Esse pessoal não tem qualquer empatia ou preocupação com vidas humanas.

São a fina flor do mau exemplo. São a mais genuína revelação do ladrão.

Dr. Tulio Pereira Cardoso - Doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Fundador do Grupo de Estudos do Joelho de Sorocaba.

E-mail: [email protected]