Buscar no Cruzeiro

Buscar

A lesão do fígado pelo álcool

28 de Novembro de 2018 às 00:01

O uso abusivo de álcool é um grande problema médico, econômico e social, pois incapacita 10% da população adulta através do alcoolismo. Ainda, de 10% a 30% dos leitos hospitalares são ocupados por indivíduos que abusam das bebidas alcoólicas. O consumo exagerado de álcool está diretamente relacionado ao número de óbitos por doenças do fígado (cirrose, câncer, etc), faltas ao trabalho e acidentes de trânsito.

O alcoolismo agudo compromete principalmente o cérebro sem provocar lesão de suas estruturas, todavia, o uso crônico de etanol é responsável por alterações em praticamente todos os órgãos, como gastrite, distúrbios de absorção pelos intestinos, esclerose dos vasos e coração, inflamação do sistema nervoso (encefalites, neurites, etc), gota, degeneração óssea, feminilização, etc. Na gestante pode ocorrer a síndrome fetal pelo álcool, com retardo de crescimento, comprometimento do sistema nervoso e defeitos do coração, pela passagem de etanol através da placenta.

O fígado é o principal transformador do álcool (90%), cujas agressões são reveladas pelas doenças hepáticas. Trata-se de um órgão glandular situado no quadrante superior direito do abdome, representando 2% do peso corporal do adulto. Também é responsável pela produção de bile, armazenamento de açúcar e ferro, síntese de colesterol e das proteínas, além de depósito de vitaminas (A. D e B12). fabricação dos componentes da coagulação e, principalmente, remoção do sangue e excreção de drogas (etanol, antibióticos, etc), hormônios e outras substâncias.

O álcool etílico é absorvido pelo estômago (20%) e duodeno (80%), distribuído pelo sangue e metabolizado pelo fígado (80% a 90%), para posterior eliminação pelos rins e respiração. O fígado é a usina chave de transformação do etanol em radicais livres. Por sua vez. o organismo reage a tal agressão com degeneração gordurosa (fígado gorduroso), inflamação (hepatite), fibrose com destruição celular (cirrose) e transformação de tecido (câncer). A cirrose é a etapa final e definitiva da intoxicação alcoólica, cujas fases intermediárias são o fígado gorduroso e a hepatite alcoólica. Por isso, o alcoólatra arrependido pode voltar a ter regeneração total das estruturas e funções do órgão enquanto estiver na etapa intermediária de evolução para cirrose. Todavia, se instalada, nada poderá deter a caminhada inexorável para a perda de suas funções.

O portador de cirrose não apresenta sintomas no início da enfermidade (fase compensada), porém, com o passar do tempo aparecem os sintomas da descompensação, como falta de apetite, desnutrição, barriga d’água, inchaços, hemorragias, traços femininos (ginecomastia, distribuição dos pêlos, etc), icterícia (cor amarela), urina escura, etc. O sistema nervoso também é intensamente agredido pelos produtos tóxicos não degradados do álcool (amônia, etc), surgindo a encefalopatia hepática, que é responsável pelos tremores, marcha ebriosa, alucinações, delírios, confusão mental, etc.

A desnutrição é revelada pelas alterações da pele (dermatite) e fâneros (cabelos, pelos e unhas quebradiças). Enfim, o indivíduo se transforma num farrapo humano, escória da sociedade e lixo da humanidade. É a perda total da auto-estima. O tratamento da cirrose é exclusivamente sintomático, isto é, procura-se cuidar somente dos efeitos, sem alterar a lesão fundamental, isto é, a substituição do tecido nobre do fígado por cicatriz fibrótica. Assim, faz-se uma dieta pobre em proteínas, diuréticos, antiinflamatórios (cortisona, etc), produtos que provocam repulsa ao álcool, vitaminas (complexo B), etc.

O alcoolismo é comparado a um espectro de cores, que vai lentamente do rosa para o vermelho, que significa a passagem do etilismo social para a dependência e abuso do álcool. Por que isso acontece, ninguém sabe. O que começa como um simples e inocente bálsamo para aliviar as tensões do dia-a-dia, encontro de amigos para distrair após um dia cansativo de trabalho ou uma reunião social de fim de semana, transforma-se paulatinamente numa dependência perigosa que, à semelhança das drogas pesadas, vai transformando o indivíduo num dependente, com todo o cotejo sintomático do vício.

Artigo extraído do livro Doenças - Conhecer para prevenir (Ottoni Editora), de autoria do médico Mário Cândido de Oliveira Gomes, falecido aos 77 anos, no dia 6 de junho de 2013.