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A inutilidade do pai

20 de Dezembro de 2020 às 00:01

Dom Julio Endi Akamine

Recentemente li um artigo de Vera Iaconelli que começava assim: “Nossos pais nos deram pouco, foram relapsos e egoístas ou deram demais, sendo intrometidos e demandantes. Por falta ou excesso, nunca estiveram ali na medida exata dos nossos desejos e expectativas” (Dizer adeus aos pais, Folha de S. Paulo, 15/12/2020, B3).

Precisamos urgentemente de pais! Estamos fartos de quem quer usar a posse do outro para preencher seu próprio vazio e também de quem não está presente na criação dos filhos. Temos sede de paternidade casta!

Nesse sentido, S. José é exemplo para todos os pais e educadores, pois o seu amor por Jesus é autenticamente paterno, mesmo que não seja o seu pai biológico.

O amor de José não busca as próprias satisfações, mas se põe inteiramente a serviço da pessoa amada. O seu amor por Maria, por exemplo, o leva a se colocar a serviço da vocação dela e assim alcança com ela uma união espiritual admirável que é fonte de grande alegria. É também o amor paterno que faz com que José se coloque integralmente a serviço da vocação messiânica de Jesus. José não é como aqueles pais que consideram os filhos como sua propriedade, que nutrem por eles um afeto tirânico e possessivo. José sabe muito bem que Jesus não lhe pertence e deseja unicamente prepará-lo para sua missão de salvador.

Por isso o amor de José é casto, no sentido de que é presente sem ser possessivo. O amor que quer possuir, acaba sempre por se tornar perigoso: prende, sufoca, torna infeliz (Patris Corde, 7). Assim o título de “castíssimo” dado a S. José não exprime somente uma virtude ligada à sexualidade, mas uma qualidade inerente ao amor. O próprio Deus amou o homem com amor casto, deixando-o livre inclusive de errar e se opor a Ele. A lógica do amor é sempre uma lógica de liberdade, e José soube amar de maneira livre. Ele nunca se colocou no centro; soube se descentralizar e colocar Maria e Jesus no centro da sua vida (Patris Corde, 7). Esse é o amor que José nutre pela “Mãe e o Menino”.

O amor paterno renuncia à tentação de decidir a vida dos filhos. Por outro lado, cada filho traz sempre consigo um mistério que só pode ser revelado com a ajuda de um pai que respeite a liberdade do filho. Por isso, um pai de verdade sente que completou a sua ação educativa quando se torna “inútil”, porque vê que o filho se tornou livre e caminha com suas próprias pernas.

Nesse sentido é muito significativo que Jesus, ao ensinar os discípulos a rezar, use um vocativo que Ele empregou tantas vezes na casa de Nazaré: abbá - papai! A tal ponto Jesus experimentou o amor casto de seu pai adotivo que, sem rejeitar a paternidade, pôde ensinar: “Não chameis ninguém na terra de ‘pai’, pois um só é vosso Pai, aquele que está nos céus” (Mt 23,9). Através de seu amor, José revelou a Jesus o amor do Pai Celeste; seu amor paterno se tornou o sinal de uma paternidade superior.

Mesmo na situação em que a sua felicidade parecia destinada ao fracasso, José buscou fazer a vontade de Deus. Podemos imaginar que a sua felicidade era a de ter Maria por esposa. Constatando, porém, que o que fora gerado nela provinha do Espírito Santo, decidiu renunciar à sua felicidade para fazer a vontade de Deus. Foi nesse momento que Deus lhe revelou a sua missão de esposo de Maria e de pai adotivo de Jesus.

Em um tempo em que é patente a violência psicológica, verbal e física contra a mulher, José se apresenta como figura de homem respeitoso, delicado que, mesmo não dispondo de todas as informações, se decide pela honra, dignidade e vida de Maria. Na nossa vida, sucedem coisas, cujo significado não entendemos. E a nossa primeira reação é a desilusão e a revolta. Ao contrário, José deixa de lado os seus raciocínios para dar lugar ao que acontece e, por mais misterioso que possa parecer a seus olhos, acolhe-o e assume a sua responsabilidade (Patris Corde, 4).

S. José, rogai por nós!

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.