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A condição social da mulher em ‘Jogo de cena’

31 de Agosto de 2018 às 11:12

A condição social da mulher em ‘Jogo de cena’ Eduardo Coutinho com Marília Pera: entrevistador paciente e respeitoso. Crédito da foto: Divulgação

Nildo Benedetti

“Jogo de cena” é uma mistura de depoimentos de passagens da vida de algumas mulheres e a representação dos mesmos depoimentos por atrizes como Andrea Beltrão, Fernanda Montenegro, Marília Pera e por outras menos conhecidas. O próprio diretor formula as questões às entrevistadas no palco de um teatro vazio. Quem assiste ao filme a primeira vez chega a suspeitar de que haja uma competição entre atrizes ou que esteja participando de um desafio para descobrir quem é atriz profissional e quem não é.

Mas o filme é muito mais do que a proposta de uma charada. É também um drama profundo apoiado em narrativas de mulheres fascinantes que vivem variadas situações. Dentre estas situações, predomina a da maternidade sob diversas perspectivas: mães adolescentes, mães solteiras, mães que perderam bebês após o parto, mães otimistas e lutadoras, mães pessimistas, mães que foram rejeitadas por filhas, filhas que rejeitaram os pais, mulher que se emociona ao assistir à animação “Procurando Nemo”. Algumas são praticamente adolescentes, outras de meia idade, algumas instruídas, outras quase analfabetas, uma lésbica que canta rap, algumas sem religião, outras de religiosidades diversas, algumas negras, outras não.

Em janeiro de 2017 divulguei nesta coluna uma série de quatro artigos em que escrevia que, mesmo sendo a História do passado reescrita da forma mais objetiva possível, ela sempre será resultado de interpretações e de escolhas feitas pelo historiador com vestígios disponíveis no presente e, portanto, é intrinsecamente parcial e frequentemente ideológica; citei o historiador Hayden White e seus seguidores, para quem os fatos históricos descritos nos livros são relatos ficcionais.

Se existe o debate sobre a veracidade dos livros de História, existem maiores razões para duvidar da realidade exposta em documentários e filmes de ficção, baseados ou não em fatos reais. Serão sempre portadores de visões seletivas de cineastas.

A dificuldade de distinção entre documentário e ficção é didaticamente exposta em “Jogo de cena”, porque o filme levanta uma questão: nos relatos das mulheres, quanto existe de realidade e quanto de invenção -- seja involuntária, seja proposital?

Mas, será importante a resposta exata a essa questão? Nos quatro artigos que mencionei, escrevi que o filósofo Walter Benjamin se referiu ao conteúdo de verdade da obra de arte e que Pablo Picasso escreveu que a arte é uma mentira que faz compreender a verdade. A verdade de que falam Benjamin e Picasso não é a definitiva sobre fatos históricos ou científicos, mas é a contida no sentido dado pelo espectador da obra de arte e será diferente do sentido dado por outro espectador. Assim sendo, é mais significativo ver nas revelações -- inventadas ou não -- das mulheres de “Jogo de cena”, verdades sobre a condição da mulher na sociedade brasileira. O filme confirma, portanto, a inquietação de Eduardo Coutinho com assuntos sociais, como expostos em “Edifício Master” ou “Cabra marcado para morrer”.

Cine Reflexão

“Jogo de cena” de Eduardo Coutinho

Nesta sexta-feira (31), às 19h, na Sala Fundec (rua Brigadeiro Tobias, 73)

Entrada gratuita