Dilemas natalinos

Por Cruzeiro do Sul

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Luzes coloridas, árvores representando a vida e o Papai Noel por toda parte. Para alguns, o momento pede recolhimento e orações, para outros, o significado é de alegria e esperança. A virada do ano, além disso, se torna para boa parte uma festança que chega a ser dionisíaca. Mas o que queremos compreender aqui é: por que dezembro se torna tão angustiante, “ansiogênico” e triste para algumas pessoas?

Em primeiro lugar, precisamos lembrar que o Natal é uma celebração cristã, comemorada no dia 25 de dezembro por estabelecimento do Papa Júlio I para substituir as festas consideradas pagãs já realizadas nesta época. A troca de presentes nesta data remete aos três Reis Magos, simbolizando amor e a solidariedade. Porém, o que se observa na contemporaneidade é a mercantilização de um momento, a priori, religioso.

O Papai Noel se tornou onipresente, nos convidando a entrar em cada loja nas ruas ou nos shoppings. Muitas vezes o sentimento é de obrigação: de consumo, de festa, alegria e disposição. Vivemos numa sociedade excessivamente positiva, segundo o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, onde o “sim” e a produtividade imperam, nos levando à exaustão. E o que acontece quando o que resta é o cansaço acumulado ao longo do ano e o desânimo? Culpa e frustração.

Hoje, o senso de dever de produtividade está internalizado em cada um de nós, transbordando para além do trabalho, refletindo a todo instante em nossas vidas pessoais: emagrecer “x” quilos, cortar o açúcar e o pão, juntar “n” reais no ano, manter a hidratação do cabelo e da pele, todos os procedimentos estéticos possíveis numa tentativa de atingir um ideal de beleza e juventude, ter o carro, a bolsa ou o celular do momento, fazer dois cursos de pós simultaneamente, além de ser “o melhor” no trabalho, como esposa/marido, ou os pais “perfeitos”, agindo como recomendou a influencer favorita.

Mas, o que há de errado em desejar? Absolutamente nada! Tudo o que foi citado no parágrafo acima é muito legítimo! Oras, eu também desejo muitas destas coisas. O único “problema” é que nos esquecemos que “o ideal” pertence somente ao mundo das ideias e nós, seres da realidade, do real, acabamos não nos perdoando por não cumprir metas que impusemos a nós mesmos ou que, muitas vezes, “a sociedade” e a cultura impuseram e não percebemos. Desta forma, as frustrações em não ter tido um “ano perfeito” se tornam muito maiores, muitas vezes devastadoras, gerando angústias e desesperança.

Outro motivo de paradoxo e possível sofrimento nas festas de fim de ano são traumas relacionados à data, perdas, lutos ainda não elaborados. Basta chegar dezembro e o aperto no peito se instala. Há também os conflitos familiares que podem surgir desde os preparativos para as comemorações até reencontros com parentes com os quais não nos damos bem. Há também os que não tem uma religião ou que não são cristãos e simplesmente optam por não comemorar, não se sentem representados pela data.

É também caríssimo lembrar que nem todos têm lar e alimento. Para estas pessoas a dor vai além da intolerância com o outro, de obrigações mercantis ou religião. Estes, além de possivelmente sofrerem o ano todo, encaram de frente sua realidade quando boa parte da sociedade se encontra tão eufórica, desfrutando de riqueza e abundância — e desperdício — de diversos recursos. Precisamos nos lembrar que não existe um “eles” e um “nós” e, por isso, podemos ajudar, não somente em dezembro, mas o ano todo, exercendo nossa cidadania, questionando nossos modos de vida em sociedade, exercitando a empatia e o senso de comunidade.

Tudo isso diz respeito a um hiato entre o ideal e o real (expectativa versus realidade). Praticar a tolerância, o respeito e aceitação do outro, do diferente, além de flexibilizar metas, lembrando que a vida é uma trilha do inesperado, que não se controla sentimentos, e apenas decidimos o que fazer com eles, pode acalmar-nos e elucidar os dilemas natalinos. Simplesmente, tudo bem não estar eufórico quando o mundo parece estar. Aproveite o momento para refletir, compreender e fazer o que te faz bem — sempre que isso não ultrapassar os limites alheios.

Giovanna Tardelli é psicanalista e especialista em Neurociência e Comportamento (PUC-RS)