Fazendo as pazes com Noel
Certa vez, enquanto passeava por um determinado centro comercial, um amigo me disse: “Aí está o impostor!” Curioso, lhe perguntei: “Impostor? Aonde?” E, imediatamente, ele me apontou a imagem do Papai Noel, impressa num banner promocional. Confesso que fiquei surpreso com tamanho ódio, mas procurei dar corda para entender sua teoria. Então, ele justificou, ressaltando que Noel era o grande responsável pelo desvio da atenção que deveria ser dada a Jesus no Natal.
Essa perspectiva negativa sobre o velho Noel tem sido compartilhada por muitos cristãos. Segundo uma reportagem da revista Época, na véspera do Natal de 1951, uma imagem dele foi queimada numa fogueira, por fiéis católicos, no átrio da Catedral de Dijon, na França. Na mesma direção, o Pavablog afirmou, anos atrás, que um grupo da Assembleia de Deus da Inglaterra iniciou uma campanha que comparava Noel a Satanás. Tudo para desqualificar a imagem do bom velhinho.
Sinceramente, eu entendo o risco dos “desvios” que a figura do Papai Noel pode gerar nesta época do ano. Mas, a título de reflexão, pergunto: será que, de fato, precisa ser assim? Só existe uma maneira de olharmos para ele? E, quanto às informações históricas que temos a respeito daquele que deu origem a esse personagem? Elas corroboram com o espírito da alienação espiritual ou podem nos incentivar numa direção diferente?
Para respondermos a essas questões, vejamos: O personagem “Papai Noel” foi inspirado na vida de Nicolau de Bari, um homem que viveu entre os séculos III e IV da era cristã, no vilarejo de Patara, situado na atual Turquia. Sua família era muito abastada. Não obstante a isso, seus pais o educaram para ser um verdadeiro discípulo de Cristo. Após a súbita morte deles, revelou uma consciência social muito aguçada, gastando boa parte de sua herança para ajudar os pobres, as mulheres e as crianças.
Um de seus atos de bondade mais famoso foi o de ajudar três irmãs muito pobres que não tinham como pagar o dote de casamento. A situação delas era tão complicada que estavam vivendo às custas da prostituição. Diante disso, Nicolau chamou-as para perto, pagou-lhes o dote para que pudessem se casar, e assim, poupou-as de uma vida de vergonha e escravidão sexual.
Por isso, e muito mais, Nicolau foi amado por sua comunidade cristã, acabou sendo eleito bispo de Mirra, funcionando como um verdadeiro pastor dos fracos e desfavorecidos. Nesta condição, participou também do Concílio de Nicéia, em 325 d.C., atuando como um dos grandes defensores da divindade de Jesus, contra a heresia ariana, que encarava Jesus como um homem qualquer.
Mas, como nem tudo são flores, ao ser questionado por suas crenças em Jesus, acabou revidando fazendo uso da força. Esbofetear um irmão na fé lhe custou o título de líder da igreja. Contudo, após sua morte, em 6 de dezembro de 343 d.C., ele foi devidamente canonizado. O aniversário de sua morte tornou-se o feriado de São Nicolau, data em que presentes eram dados em sua memória.
Diante disso, creio que existem duas formas de olharmos para o Papai Noel. A primeira é com grande desconfiança, atribuindo a ele toda espécie de desvio de atenção que rouba a centralidade de Jesus. Pessoalmente, creio que isto não é justo, pois, além de ir contra tudo quanto foi crido e proclamado por Nicolau, outras coisas, tais como as festas, as luzes e os presentes também podem desviar nossa atenção de Jesus hoje. No entanto, não desconfiamos nem nos afastamos delas.
A segunda, é percebendo, na figura do velho Noel, o exemplo de São Nicolau, um verdadeiro discípulo de Jesus, que proclamou a plenos pulmões a divindade do seu mestre e dedicou sua vida generosamente aos necessitados. Mais do que isso, alguém que, como nós, descobriu as raízes do mal em seu coração, mas obteve gracioso perdão através da morte de Jesus em seu lugar.
Um Natal centrado em Jesus não é um feriado em que só a imagem de Jesus desponta nas ruas, nas praças e shoppings da cidade. Mas um dia em que deixamos de idolatrar todas as demais coisas ao nosso redor e decidimos cuidar daqueles que precisam do nosso auxílio, como uma resposta do amor ao Deus que se fez homem para cuidar de cada um de nós.
Renato de Oliveira Camargo Junior é teólogo formado pelo Seminário Presbiteriano do Sul, pós-graduado em Liderança pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Doutor em Ministério pelo Missional Training Center, professor de Homilética e Prática da Pregação no Seminário Presbiteriano do Sul e Pastor Plantador da Comunidade Presbiteriana Campolim, em Sorocaba.