Tempestade em copo d’água
Há quem diga que a expressão “tempestade em copo d’água” tem origem numa frase atribuída a Cícero, filósofo romano do século II a.C., a “Excitabat fluctus in simpulo”, que significa literalmente: “as ondas agitavam-se na correnteza”. Inicialmente, acreditava-se que ele havia dito essas palavras como uma crítica a um parente que vivia reclamando de tudo, mas alguns historiadores contemporâneos relacionam essa frase ao seu descontentamento em relação a um político de sua cidade, que vivia amplificando os problemas sociais.
Seja como for, atualmente, essa expressão tem sido utilizada para descrever um pensamento trágico ou uma reação desproporcional, que não condiz com a realidade. É o hábito de exagerar, de aumentar, de dramatizar as coisas, antecipando resultados negativos. Segundo a terapia cognitivo-comportamental, também conhecida como TCC, esses padrões de pensamentos negativos constituem uma distorção congnitiva, chamada de catastrofização.
O primeiro teórico a utilizar essa expressão foi Aaron Beck, em sua obra “Cognitive Therapy and the Emotional Disorders”: “o paciente se envolveu em catastrofização, antecipando o pior resultado possível, sem considerar alternativas mais prováveis”. E um dos estudiosos que tem desenvolvido pesquisas e escrito sobre o assunto é Donald Meinchembaum, que afirmou em “Stress Inoculation Training”: “as pessoas não reagem apenas aos eventos, mas às histórias que contam a si mesmas sobre esses eventos”.
Existem muitas maneiras de evidenciar a catastrofização. Alguns o fazem pela tendência de interpretar sinais neutros como ataques pessoais: “se eles estão me olhando é porque devem estar falando mal de mim”. Outros, pela tendência de projetar o pior cenário sem provas concretas: “se o meu chefe me chamou, é porque vou ser demitido (a)”. Outros ainda, pela tendência de generalizar ou pensar dicotomicamente: “se meus filhos não me ligam tanto, é porque não me amam mais”. Existem também aqueles que evidenciam a catastrofização pela tendência de somatizar, focando sempre nos sintomas negativos: “minha barriga está doendo muito, deve ser um tumor”. E, por fim, aqueles que a evidenciam pela tendência de tirar conclusões teológicas precipitadas: “se Deus não me ouviu, é porque ele não me ama”.
A Bíblia conta histórias de diversas pessoas que fizeram tempestade em copo d’água. Uma delas é Acabe, um dos 19 reis de Israel, que segundo 1º Reis 21, desejou a vinha de seu servo Nabote. Diante de uma negativa, o rei voltou para o seu palácio de férias, entrou em seu quarto, virou com o rosto para a parede e fez greve de fome. Dá pra imaginar o tamanho da infantilização? Para piorar as coisas, sua esposa Jezabel, que não era “flor que se cheire”, colocou ainda mais lenha na fogueira, prometendo dar um jeito na situação e garantiu-lhe a vinha. O que de fato ocorreu, logo após ter assassinado, cruelmente, o dono da vinha.
Essa fatídica história ensina que não devemos subestimar o perigo as catastrofizações. Num primeiro momento, elas tentam nos convencer de que estamos certos e de que ninguém consegue enxergar a realidade melhor do que a gente. Num segundo momento ela se intensifica, impedindo-nos de enxergar qualquer coisa pelo lado positivo. E, por fim, ela nos leva a cometer injustiças tremendas, que prejudicam demais a vida de outras pessoas.
Se você tem feito tempestade em copo d’água, identifique o medo que está por trás desse sentimento: se medo de ser rejeitado, de perder o controle, de ficar sem dinheiro. Na sequência, confronte o seu medo com uma boa dose de realidade: “qual é a prova de que isto está, de fato, acontecendo?”; “já enfrentei isto no passado e sobrevivi?”; “que outros resultados são possíveis de acontecer”. Pratique, também, a substituição do pensamento negativo: “lidar com isso não será fácil, mas não será impossível”; “se não deu certo desta vez, talvez dê certo dá próxima”; “posso não controlar tudo, mas posso controlas as minhas reações!”
Por fim, conte ao seu próprio coração que não estamos à mercê do acaso. Que existe um Deus que nos assiste. E, mais do que isso, que tem se inclinado diante de nós para nos ouvir e nos fortalecer.
Renato de Oliveira Camargo Junior é teólogo formado pelo Seminário Presbiteriano do Sul, pós-graduado em Liderança pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, doutor em Ministério pelo Missional Training Center, professor de Homilética e Prática da Pregação no Seminário Presbiteriano do Sul e Pastor Plantador da Comunidade Presbiteriana Campolim, em Sorocaba