O Brasil vai aguentando o tarifaço

Por Cruzeiro do Sul

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Doeu, continuará doendo, mas a pancada não levou a nocaute. Poderá até ser suportada com alguma galhardia.

Quando foi anunciada, a supertarifa de 50% alarmou, porque não se tinha ideia de seu alcance. Agora, já dá para ter um balanço das avarias, que não podem ser tomadas como definitivas, porque de Trump nunca se pode dizer que o pior já passou.

É preciso ser realista quanto aos estragos produzidos em alguns setores importantes: carnes, café, frutas frescas, pescados, açúcar e álcool, calçados, móveis, cerâmicas e outros manufaturados. Apesar de algum socorro do governo, não dá para minimizar os prejuízos que muitos negócios enfrentarão. Eles não se limitarão aos resultados financeiros; se estenderão às perspectivas estratégicas de grande número de empresas, sem falar na dispensa de pessoal e no trabalho que dará diversificar a clientela.

Só não se pode dizer que a musculatura e os ossos continuam inteiros porque as mazelas antigas persistem: rombo fiscal, inflação distante da meta, juros na lua, projetos de reforma parados e, mais que tudo, falta de planos de longo prazo.

Há dois jeitos imediatos de avaliar se as pancadas do tarifaço começam a ser absorvidas. O primeiro é o comportamento dos dados mais sensíveis do mercado: o do câmbio e o da Bolsa de Valores. Desde o anúncio das tarifas de 50%, as cotações do dólar caíram 1,2% e o Índice Bovespa perdeu cerca de 2 mil pontos.

É verdade que a baixa do dólar no mercado interno teve a ver com a desvalorização da moeda americana no mercado internacional, porque a política do governo dos Estados Unidos levou muitos detentores de dólares a desovar seus estoques — dado o impacto negativo das decisões de Trump —, especialmente sobre sua política fiscal. Mas, se os ferimentos na economia brasileira fossem graves, ainda assim, as cotações da moeda estrangeira subiriam aqui dentro, o que não aconteceu. A Bolsa conseguiu recuperar certa perda, porque a percepção geral foi de que as principais empresas continuariam tendo bom desempenho.

O outro jeito de avaliar a situação geral pós tarifaço é olhar para as expectativas do mercado, tal como registradas na Pesquisa Focus do Banco Central. Lá se vê que, apesar de tudo, 2025 aponta para um avanço do PIB de 2,2%, inflação de 5,1%, superávit na balança comercial de US$ 65,2 bilhões e entrada líquida de capital estrangeiro da ordem de US$ 70 bilhões.

Como dizia Nelson Rodrigues, uma verdade dita apenas uma vez, continua inédita. O mesmo acontece com as advertências. Tempo de crise é tempo de arrumar a economia. Se vier o pior, dá para enfrentar. Se não vier, tanto melhor.

Celso Ming é comentarista de economia