O português continua sendo perseguido e sacrificado correndo o risco de ser queimado

Por Cruzeiro do Sul

Nos dias 15 e 22 de maio de 2009 foi publicado no Jornal Cruzeiro do Sul, p. dois artigos meus intitulado O “português sacrificado” e mencionamos manifestação do Ministro Luiz Edson Fachin dizendo que precisão e rigor não se confundem, bem como dissemos que não podíamos simplificar ou negligenciar e muito menos esquecer a história.

Existem diversos sistemas de linguagem e cada qual faz sua tradução como ocorre no trânsito, na matemática, na física, no direito etc. Resumindo: o português ou a linguagem jurídica não pode ser sacrificada e nem “queimada”, como alguns pretendem, em face da simplificação e de algoritmos.

No meu entender o que faltava e ainda falta no País é uma educação sólida, com conhecimento em todas as áreas da ciência e não uma sintetização ou simplificação do passado ou das ciências. O Brasil precisa formar juristas e não se limitar a simples informações e simplificações.

Dissemos naquela época que começou a existir a expressão “juridiquês” como uma crítica a linguagem jurídica fazendo pressões para que houvesse uma simplificação no direito com inúmeros adeptos, que parecem esquecer o exemplo de Fahrenheit 451, que, é um romance distópico de ficção científica, escrito por Ray Bradbury e publicado pela primeira vez em 1953, e, filmado em 1966 e 2018, que retrata a queima de livros como ocorreu na Alemanha de Hitler.

Em nosso entendimento não faz sentido essa simplificação tendo em vista a errática e péssima educação brasileira. Muitos interpretam o direito: interpretação zetética, investigação histórica, antinômica, sociológica, valorativa, egológica, como um sistema de linguagem etc.

O sistema de interpretação de Paulo de Barros Carvalho, por exemplo, não é “juridiquês”. Ele estuda o direito pelo sistema da linguagem, no plano sintático, semântico e pragmático, e, quando se analisa a conduta humana as normas jurídicas usam palavras, signos linguísticos que devem expressar um sentido e usa vocábulos que tira da linguagem cotidiana e lhe atribui um sentido técnico.

Dissemos que o português continua sendo perseguido e sacrificado correndo o risco de ser queimado, porque queremos expressar nossa solidariedade ao jurista Lênio Luiz Streck pelos artigo artigos escritos no CCCONJUR em 1103/24, 15/03/24 e 12/07/24 sobre o tema e foi dura e injustamente criticado.

Aliás, Lênio Streck foi quem comparou a simplificação do direito e da linguagem à queima de livros e do papel retratada em Fahrenheit 451, justificando a minha preocupação colocada no texto” “está correndo o risco de ser queimado”.

Citamos um exemplo: estudamos o direito das obrigações de forma ampla, conseguindo escrever dois volumes e nele estudamos as diversas espécies de obrigações, natureza jurídica, e tudo o que há de relevante na França e na Alemanha, e, para este texto, lembramos da obrigação “propter rem” que querem denominá-la de “obrigação chiclete”!

Podemos dizer que o professor Lênio Streck não está sendo derrotado e nem pode ser vilipendiado. Ele deve defender suas ideias e não deixar que corramos o risco de que nossas ideias sejam queimadas e nem a cultura seja levada à fogueira.

A tecnologia é bem-vinda, mas não pode reduzir o pensamento humano e condensá-lo num algoritmo e nem permitir que se criem cretinos digitais como explicou Michel Desmurget.

Aliás, o medo de um novo Fahrenheit 451 não está longe por que: a) não parece razoável fazer sustentações orais por meio de algoritmos ou sistemas de gravação de voz; b) não é razoável suprimir o oralidade nos tribunais e no direito; c) não é razoável limitar a participação do advogado no processo judicial e administrativo; d) não é razoável estabelecer o tamanho de sentenças e decisões judiciais, ou de petições ou arrazoados de qualquer natureza; e) não é razoável estabelecer limitações aos contatos entre os operadores do direito.

Esperamos que os algoritmos não briguem entre si como disse Lênio Streck no ConJur de 06/02/25 e que o português não seja “queimado” e, mais ainda, que não haja retorno ao obscurantismo da Idade Média.

Haroldo Guilherme Vieira Fazano é sócio efetivo da Academia Sorocabana de Letras e advogado