Gargalo na transmissão trava avanços

Por Cruzeiro do Sul

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Embora sejam vendidas como “reforma”, as recentes mudanças promovidas pelo governo Lula no setor elétrico não avançam na solução dos principais pontos de tensão do setor.

Tais mudanças têm entre seus objetivos flexibilizar as relações de consumo e trazer equilíbrio ao setor, a partir da abertura gradual do mercado livre para os consumidores de baixa tensão (residências, pequenos e médios comércios) e da melhor distribuição dos encargos pagos na Conta de Desenvolvimento Energético. Mas também ampliam a chamada Tarifa Social, que zera a cobrança da conta de luz para a população de baixa renda. Trata-se de medida eleitoreira cuja conta recairá sobre os consumidores das classes médias.

Elas também não reduzem a excessiva intervenção política, que inibe a capacidade de planejamento dos organismos técnicos e produz distorções que encarecem a conta de luz. Vai nessa direção a derrubada dos vetos presidenciais aos jabutis que o Congresso enxertou no marco regulatório das usinas eólicas offshore (em alto-mar).

Nada, ou quase nada, vem sendo adotado para superar os gargalos de infraestrutura e as dificuldades de acesso à rede elétrica no Brasil, tampouco para alinhar o planejamento de expansão do setor com os recursos bilionários privados disponíveis. Há interesse de grandes consumidores de energia elétrica para data centers, plantas de hidrogênio verde e projetos de mobilidade elétrica à espera da liberação de conexão à rede. Mas estão sendo recusados pelo operador do sistema para evitar sobrecarga.

Dados da consultoria Cela mostram que 30 contratos de compra e venda de energia de longo prazo para data centers foram assinados em 2024. A tendência para os anos seguintes é de exponencial crescimento, já que os data centers, voltados ao processamento de informações para a Inteligência Artificial, são vistos como opção para absorver o excedente de energia. Mas, sem ampliação da infraestrutura ou sem redução dos subsídios que geram o excedente de energia, as distorções só tendem a crescer

A falta de interessados em investir no reforço da transmissão, como aponta o engenheiro Ivo Pugnaloni, CEO da consultoria Enercons, também é consequência do baixo retorno sobre o capital investido, especialmente para a energia solar e eólica: “O custo de transmissão é maior por conta da intermitência dessas fontes sujeitas a longos períodos de ociosidade”, explica.

Por isso, é necessário criar condições seguras e desburocratizadas para que os projetos saiam do papel e garantam seu acesso à rede — sem que mais custos com o reforço das linhas de transmissão ou os riscos de ociosidade da infraestrutura recaiam sobre o consumidor.

Trata-se de novo rumo para o segmento da transmissão, historicamente pautado pelo escoamento da geração em diferentes regiões, mas que agora precisa de planejamento para atender demandas por cargas concentradas, em regime integral. (Com Pablo Santana)

Celso Ming é comentarista de economia