Nildo Benedetti
Ainda sobre ‘Namorados para sempre’ (parte 3 de 3)
Um terceiro fator que limita nossa livre escolha refere-se ao funcionamento do cérebro que herdamos e que atua em uma relação de causa e efeito com o meio ambiente em que vivemos. O mundialmente renomado neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis demostra que é através do cérebro humano que conferimos significado e geramos uma noção de realidade. Mas essa visão da realidade é própria de cada indivíduo, porque existem dois universos: o que existe externamente e o que é interpretado pelo cérebro humano. O que está fora do indivíduo não é necessariamente o que o seu cérebro percebe. O cérebro tenta criar um modelo do que está fora para maximizar a chance de sobrevivência. O universo interno tenta gerar uma explicação coerente do que existe fora. A única imagem que temos do universo é aquela gerada pelo nosso cérebro, ou seja, nosso universo interno. Outro famoso neurocientista, Robert Sapolsky, professor de biologia e neurologia na Universidade de Stanford, nos EUA, não acredita na livre escolha: “Somos a soma do que não podemos controlar”
Na atualidade, um quarto fator que limita a liberdade individual diz respeito às redes sociais. Elas trouxeram grandes benefícios à humanidade. Mas, como acontece sempre em que o ser humano interfere, as redes provocaram a propagação ilimitada de mentiras, calúnias, difamação etc. Tudo em nome da “liberdade de expressão”. Nicolelis chama a essa propagação de “vírus informacionais” porque eles funcionam como um vírus. “Eles infectam a mente, ativam programas neurais primitivos, como nossa tendência terrível de expressar comportamentos preconceituosos ou ter comportamentos de defesa irracionais, e fazem com que pessoas passem a se comportar em grupo de maneira que elas jamais se permitiriam comportar sozinhas, com comportamentos primitivos, violentos, preconceituosos, racistas, por exemplo”. Nessas condições, as pessoas e passam a acreditar em qualquer asneira, o que, obviamente, acentua a falta do conhecimento racional e, portanto, limita a capacidade de livre de escolha dos indivíduos.
*
O corolário da limitação de realizar escolhas livres e conscientes é que pouco compreendemos por que agimos como agimos e pouco compreendemos porque os outros agem como agem.
Passado o efeito dos encantos e da idealização do início das relações afetivas, a vida em comum se torna difícil na medida em que vamos tendo sinais da realidade do outro que entram em choque com a nossa visão de realidade do mundo. As relações afetivas bem sucedidas, que trazem felicidade, são aquelas em que existe concordância naquilo que cada parte considera fundamental questões morais e éticas, traços de caráter etc. Mas, ainda assim, existem discordâncias em qualquer relação e que só podem ser superadas com o emprego da razão, que leva as partes à compreensão das fraquezas e virtudes do ser humano: ele é débil, cheio de preconceitos, competitivo, muitas vezes impaciente, mesquinho, invejoso. Em uma relação em que existe amor, pensar ou agir racionalmente sobre as fraquezas e forças do parceiro ou da parceira ajudam a compreender e a acolher, mais do que a confrontar e os componentes do casal gradualmente vão se tornando pessoas melhores. Agir emocionalmente pode fazer que cada um se torne pior por efeito da relação.
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec.