Uma história de 221 anos no Cartório de Sorocaba
Uma história de 221 anos de existência precisa ser contada para ser documentada nos anais da memória de Sorocaba. Em visita aos arquivos do Cartório Rolim, na rua Dr. Artur Martins, conheci o primeiro documento registrado no local, em 1801. Há centenas de livros catalogados por ano de origem. Uma relíquia que emociona e nos faz viajar pelos séculos. Em cada página existem textos manuscritos em bico de pena com relatos dos tempos dos coronéis fazendeiros e suas posses, que iam de imensas áreas aos trabalhadores que imigraram para Sorocaba, como também há escravos. Entrevistei o tabelião Emygdio Carlos Paschoalotti. Ele tem a responsabilidade de ser o gestor cartorário há 31 anos, depois de várias gerações de sorocabanos e famílias que iniciaram o cartório em 1881. O antecessor foi o saudoso Vicente Rolim.
Os descendentes da família Paschoalotti chegaram da Itália em 1890. Luiz, com 16 anos de idade, veio em navio de imigrantes. Na mesma embarcação, a Estela, com 14 anos de idade, acompanhava os pais em busca de trabalho no Brasil. Entre milhares de italianos no navio, o jovem Luiz Paschoalotti e a adolescente Estela se conheceram no convés da embarcação. Nascia ali uma amizade que foi concretizada em namoro e casamento na cidade de Brotas. Essa localidade tinha portas abertas para os imigrantes trabalharem na cidade e na zona rural. Começava em Brotas, há 200 quilômetros de Sorocaba, uma história de amor e de desafios aos membros das famílias Paschoalotti e Bertanha, vindos da região de Treviso, na Itália, em busca do sonho do trabalho e conquista da terra brasileira.
Luiz e Estela tiveram onze filhos. Durante anos, participaram com a mão de obra em fazendas de café com os conhecimentos da escola italiana. Luiz veio da Itália sabendo ler e escrever. A sua alfabetização no idioma italiano o ajudou a entender e praticar o português, sendo contratado como administrador. Entre os onze filhos do casal Luiz e Estela, o filho José Gabriel se enamorou da Amábile Bertanha e se casaram. Um novo capítulo seria iniciado na década de 1930 com a chegada dos sete filhos do casal. O personagem da nossa conversa, Emygdio Paschoalotti é filho de José Gabriel e Amábile. Nasceu em 24 de outubro de 1949. Uma infância na pequena cidade de Brotas cercada por muitos alqueires de terra nas lavouras de café e cana de açúcar. Ele se recorda dos tempos das brincadeiras com os pés descalços, estilingue e muitas amizades na beira do rio Jacaré. A vida tinha preparado uma trajetória de estudos e conquistas para o Emygdio. Aos 15 anos depois de já ter trabalhado como auxiliar por dois anos em um escritório contábil, foi convidado a prestar serviços no cartório de Brotas. Essa oportunidade trouxe conhecimentos e entusiasmo para concluir o curso colegial e prestar vestibular na Faculdade de Direito em São Carlos. Entre idas e vindas nos 68 quilômetros de distância entre as duas cidades, em 1966 recebeu o seu bacharelando como advogado, com os cumprimentos dos pais e da avó materna, Carolina Pavan.
O emprego de Emygdio no cartório de Brotas o fez prestar concurso para tabelião. Ele era um profissional de visão e programava o seu futuro. Aprovado em 1990, no ano seguinte assumia o cargo no Cartório Rolim de Sorocaba. A providência divina, como que atendendo às orações e à fé dos pais e avós na crença católica de suas origens, derramou as suas bênçãos no trabalho de Emigdio Paschoalotti.
Uma de suas iniciativas foi resgatar a história centenária dos documentos arquivados desde 1881 no cartório. Pastas separadas por ano e período foram recuperadas em livros desde a fundação. Mantendo tudo encadernado e preservado em armários especiais de aço, Emídio proporciona aos historiadores do Brasil e de Sorocaba a oportunidade de consultarem os documentos e registros que contam os passos de 221 anos do cartório no município. Tive a oportunidade de conhecer e ler os escritos de uma Sorocaba como transações imobiliárias, casamentos e até libertação de escravos com registro no cartório.
Emygdio está integrado à sociedade de Sorocaba, cidade escolhida para viver a sua história. Pai de quatro filhos, Carolina, Pedro, Gustavo e Vitória, ele é membro do Rotary Clube de Sorocaba Norte. Diariamente convive com o filho Pedro Gabriel, também advogado, que exerce no mesmo cartório do pai a atividade de Tabelião substituto.
Vanderlei Testa (artigosvanderleitesta@gmail.com), jornalista e publicitário, escreve às terças-feiras no jornal Cruzeiro do Sul