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Celso Ming

A economia e os riscos à democracia

Nas principais economias ocidentais, o resgate dessa população pobre é percebido como dumping de mercadorias produzidas com baixos salários, que destroem empregos

21 de Maio de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Celso Ming.
Celso Ming. (Crédito: Arquivo Pessoal)

Em análise publicada no “Estadão” de quarta-feira (18), o comentarista Moisés Naím tratou dos riscos de extinção das democracias. Convém examinar certas causas desse risco.

Primeiramente, os fatos apontados por Naím. Perto de 70% da população mundial, ou 5,4 bilhões de pessoas, hoje vive sob ditaduras. Há dez anos, eram 49% da população. Entre 2010 e 2020, a China, sob ditadura, mais do que duplicou o tamanho do seu PIB. Por toda parte, fortalecem-se movimentos de conotação autoritária, xenófoba e racista, a começar pela força política mostrada pelo ex-presidente Trump.

A que atribuir essas pressões antidemocráticas? Tudo começa a ser mais facilmente entendido quando forem levadas em conta as lições de Thomas Hobbes.

Por trás, está a emoção primária da humanidade: o medo. O medo de perdas, o medo de ser atacado, o medo de perder o desfrute de direitos e o medo de falta de proteção do Estado, tendem a levar as pessoas à radicalização a eleger capitães que usem a força para restabelecer a segurança.

São pelo menos três os fatores econômicos que, no Ocidente, empurram as classes médias ao apoio de regimes de força. O primeiro deles foi a inclusão, em 30 anos, ao mercado de trabalho e de consumo, de pelo menos 400 milhões de pessoas na Ásia. Nas principais economias ocidentais, o resgate dessa população pobre é percebido como dumping de mercadorias produzidas com baixos salários, que destroem empregos aonde chegam. É o que levou Trump a tentar virar o jogo com a palavra de ordem “America first” e a proteger seu mercado contra a entrada de produtos chineses.

A segunda fonte de insegurança é o uso cada vez mais abrangente de tecnologias de informação. São os aplicativos que vão dispensando mão de obra. Hoje há mais de 6,5 bilhões de smartphones no planeta. O delivery e o comércio eletrônico fecham lojas físicas e demitem vendedores. O home office reduz atividades nos escritórios. As movimentações por celular e por computador dizimaram agências bancárias e empregos dos bancários. As reuniões virtuais dispensaram viagens de trabalho. A prática do just in time abriu mão do serviço de profissionais. O distanciamento social para conter a Covid-19 apenas apressou esse processo.

A criação de novas ocupações não vem dando conta do sumiço de empregos, até porque as sociedades não contam com instituições capazes de retreinamento rápido. Hoje, nos Estados Unidos, a cada desempregado há duas vagas não preenchidas de emprego.

Ligada aos fatores anteriores, mas primariamente produzida pela expansão da desigualdade e da miséria, aumentou na Europa e nos Estados Unidos a pressão migratória que levou as classes médias a atitudes defensivas de repulsa de populações estrangeiras.

É provável que a guerra na Ucrânia, a crise energética e o salto da inflação no mundo acabem por exacerbar a insegurança e os riscos para a democracia, coisas ainda a conferir.

Não há clareza sobre como as instituições democráticas podem sair fortalecidas.

Privatização da Eletrobras

Ainda existem por aqui quatro agrupamentos contrários à privatização da Eletrobras, que, nesta quarta-feira (18), ganhou luz verde do plenário do Tribunal de Contas da União, pela goleada de 7 votos a 1. São os mesmos agrupamentos que levaram o pré-candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a avisar que, se eleito, reverterá o processo de privatização.

Há os corporativistas que temem perder privilégios e benefícios tão logo uma administração voltada para a boa governança comece a consertar o que foi erradamente amontoado em 60 anos de empresa. Há os políticos da fisiologia que se aproveitam da estatal e de suas subsidiárias para garantir cargos e tetas eleitoreiras para seus apaniguados. De quebra, garantem enorme cabide de empregos. Há uma chusma de fornecedores e de prestadores de serviços que se valem do tráfego de influência na empresa para obter contratos especiais. E há os ideologicamente puros, mas equivocados, para os quais o controle estatal é a melhor forma de comandar uma empresa de uma área estratégica como a de energia elétrica. Argumentam todos esses grupos que a privatização da Eletrobras equivale a liquidar as joias da vovó a troco de um punhado de moedas que virarão pó porque desaparecerão no buraco negro do Tesouro.

A principal razão pela qual a privatização é necessária é a de que a Eletrobras precisa inescapavelmente de capital -- não só para manter sob seu controle o patrimônio que vai sendo desgastado pelo tempo, como, principalmente, para expandir suas fontes geradoras de energia e aumentar as redes de transmissão. O Brasil há anos está exposto a apagões e a crises de suprimento de energia elétrica que não se resolvem apenas via preço. Os tempos são de urgente substituição de energia de origem fóssil por energia renovável e isso demanda enormes investimentos que o Tesouro, na atual condição de controlador, não tem condições de bancar.

A modelagem desta privatização se fará por aumento de capital por subscrição de ações novas da ordem de R$ 30 bilhões, a que o Tesouro não atenderá. Em consequência, a participação da União no patrimônio da Eletrobras passará dos atuais 72% para 45%. O Tesouro ainda receberá uma injeção de R$ 25,4 bilhões a título de taxa de outorga. É provável que, dentro de alguns anos, os remanescentes 45% de participação do Tesouro no capital da Eletrobras valerão mais do que os atuais R$ 32 bilhões hoje contados.

O tempo vai se esgotando. Depois de junho, as férias de verão no Hemisfério Norte manterão afastados os investidores internacionais. E, se tudo ficar para as vésperas das eleições, a privatização corre o risco de não acontecer. l

Celso Ming é comentarista de economia