Filmes da Netflix: ‘Inspire Expire’ (parte 3 de 5)

Por Cruzeiro do Sul

Como a situação de todos os refugiados do mundo, a dos emigrantes ucranianos comove.

Na semana passada defini o conceito de “reprodução social” como sendo o da atividade reprodutiva de pessoas adequadas à sustentação do capitalismo. Afirmam as autoras de “Feminismo para os 99%” que o feminismo deve unir forças com movimentos ambientalista, antirracista, anti-imperialista, LGBTQ+ e com sindicatos para superar oposições obsoletas entre “política identitária” e “política de classe”, que subdividem e enfraquecem as lutas feministas.

Para as autoras, a reprodução social está no centro das lutas feministas. A necessidade dessa bandeira pode ser visualizada no caso da decadência do ensino básico patrocinado gratuitamente pelo Estado brasileiro e o crescimento da qualidade de ensino privado, de custo impossível de ser arcado pela esmagadora maioria da população. O resultado dessa política educacional economicamente seletiva é que a maior parte das vagas nas boas universidades estaduais e federais são ocupadas por alunos das classes econômicas mais elevadas, o que impossibilita a ascensão social para a vasta maioria da população. O estudo à distância durante a pandemia da Covid 19 agravou essa situação.

Nesse contexto, não tem sentido falar em meritocracia e empreendedorismo que, no fundo, tenta divulgar a noção de que o indivíduo é culpado de ser paupérrimo. A política de cotas foi uma decisão relevante, mas é uma solução paliativa que atua sobre o efeito de uma política desastrosa de ensino e não sobre suas causas.

Tanto o filme “Inspire Expire” como o livro “Feminismo para os 99%” foram produzidos antes da crise sanitária da Covid 19. Um relatório da ONU de 13/12/21, disponível na Internet, aponta que as taxas de contaminação e mortes por Covid levou meio bilhão de pessoas para pobreza extrema em todo o mundo. Ao mesmo tempo, conforme noticiado pelo jornal Cruzeiro do Sul aos 18/01/22, a fortuna dos 10 mais ricos do mundo duplicou durante pandemia. Por essas razões, em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos disponível na Internet, Nancy Fraser afirmou que “o que a pandemia diagnostica, na realidade, é a disfuncionalidade profundamente arraigada do capitalismo.” Ela fala que, com exceção dos profissionais da medicina, o que foi considerado “trabalhador essencial” exercia funções especialmente perigosas em tempos de Covid: auxiliares das residências de idosos, limpadores dos hospitais, repositores e caixas dos supermercados, entregadores de comida e remédios, empregados da agricultura e de matadouros e muitos outros. Esses trabalhos são em sua maioria mal remunerados, não sindicalizados e precários, desprovidos de auxílios e proteções trabalhistas. Embora executados por uma diversidade de pessoas, são ocupados de forma desproporcional por mulheres e negros.

Em março de 2022, o deputado Arthur do Val foi à Ucrânia dizendo que ia defender o país contra a invasão russa. Um áudio vazou nas redes sociais, causando justa repugnância do público. Nele, o deputado, desapiedado da miséria e do sofrimento de pessoas desesperadas, disse, entre outras abominações, que as ucranianas eram lindas e que eram “fáceis” porque eram “pobres”. Qual o compromisso de uma figura desse tipo com a miséria das mulheres? Como mulheres que transbordam maternidade, afeto e cuidado foram cooptadas por um empedernido como esse?

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

nildo.maximo@hotmail.com