Filmes da Netflix: "A sombra de Stalin"

Artigo escrito por Nildo Benedetti

Por Cruzeiro do Sul

O jornalista Gareth Jones (James Norton) foi a primeira pessoa a relatar a matança por fome causada por Stalin na Ucrânia.

Nildo Benedetti

Este filme da polonesa Agnieszka Holland trata do episódio conhecido como Holodomor: a morte pela fome de milhões de ucranianos entre os anos 1932-33 causada por Stalin. Como sempre acontece nos relatos históricos, o episódio tem sido negado por vários historiadores. Mas, não é isso que nos interessa discutir aqui. A verdade é que o regime comunista de Stalin matou milhões de cidadão de várias formas e sob vários pretextos. O mesmo fizeram Mao na China, Pol Pot no Camboja e outros.

Essas matanças têm servido de pretexto para equiparar comunismo com nazismo. Assim como um partido nazista e a exibição de seus símbolos são proibidos no Brasil, membros da ultradireita defendem a ideia de que a foice e o martelo e os partidos comunistas deveriam também ser banidos. Comunistas seriam todos os que pensam diferente deles e o ladino Ricardo Salles, ex-ministro do Meio-Ambiente, incluiu Sérgio Moro na lista.

Existe aí um erro conceitual. Os princípios do marxismo, do socialismo, do liberalismo, do anarquismo, do capitalismo e outros não estão na origem dos crimes cometidos por seus seguidores. Matanças não fazem parte de seus ideários. As ideologias e as crenças são o que os homens fazem delas. O fato é que o ser humano se escora em crenças que lhes permita liberar uma ferocidade contida como propensão e que é desconhecida em qualquer animal selvagem. Países europeus, tidos como modelos de civilização, exterminaram massivamente índios das Américas, etnias da África, do Oriente Médio e do Extremo Oriente.

O que torna o nazismo peculiar é o fato de o extermínio estar na essência da sua doutrina. Como já escrevi nesta coluna, Hitler pretendia criar uma nova civilização, exterminando todos os seres “sub-humanos”. Por isso, reduzir os crimes de Hitler ao Holocausto propicia que um brasileiro esperto se safe de ser chamado nazista alegando não ser antissemita.

O cristianismo prega o amor, o perdão, a compaixão, mas foi em nome de Cristo que chacinas foram executadas durante séculos. São de estarrecer a crueldade mostrada nos relatos de autoridades eclesiásticas que foram testemunhas oculares da tomada de Jerusalém pela primeira cruzada em julho de 1099. A Santa Inquisição iniciou sua matança em 1023. Em 1227 passou a ser oficialmente controlada pelos papas. Giordano Bruno, frade dominicano, teólogo e filósofo, foi queimado vivo em 1600 e Galileu, que morreu em 1642, passou os últimos 10 anos de vida em prisão domiciliar por defender a ideia de que a terra se move em torno do sol.

Mas, dirá o leitor, esses são erros cometidos pelo cristianismo no passado. Contudo, hoje existem autoridades cristãs que usam o cristianismo para levar os fiéis a aceitar ideias nazifascistas que conflitam com a própria doutrina cristã: ultranacionalismo, xenofobia, islamofobia, racismo, perseguição de minorias. A essa ideologia de ódio se opõe o papa Francisco, que tenta atualizar a Igreja Católica aos costumes e estilos de vida do século 21. Suas declarações sobre família, divórcio, LGBTQs estão em conformidade com a doutrina cristã. Seu apelo ao diálogo, “palavra que nós nunca deveríamos nos cansar de repetir”, levou-o a se aproximar de líderes protestantes e muçulmanos, agindo em favor da cooperação internacional nas áreas política, econômica, ambiental etc., fundamental em um mundo definitivamente globalizado.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec.

nildo.maximo@hotmail.com