O excesso e as consequências

Excessivamente protegida, atacada pelo chamado custo Brasil ou destituída de mercado externo pela falta de acordos comerciais, a indústria de transformação definha

Por Cruzeiro do Sul

Celso Ming

No século 4º antes de Cristo, os sete sábios da Grécia Antiga foram convocados ao santuário de Delfos para escolher as duas frases que sintetizassem o pensamento helênico e fossem inscritas nos frontispícios do templo de Apolo. E foram elas: “conheça-te a ti mesmo” (gnote se autón) e “nada em excesso” (medén agán).

Um princípio depende do outro, porque para saber onde começa a hybris, ou seja, onde começa o excesso, é preciso primeiro conhecer a natureza de si mesmo. Quem passa dos limites enfrenta inevitavelmente as consequências. Quem come demais, enfrenta a obesidade, assim como quem come de menos, outro excesso, acaba sendo vítima da anorexia. Quem demora demais para agir chega atrasado -- ou não chega.

São verdades que valem não apenas para cada pessoa, mas, também, para as sociedades. A decadência de Atenas começou quando a soberba tomou conta da cidade, alimentou a ambição de conquistar o mundo em volta dela e induziu as elites a dar passos maiores que suas pernas. Os impérios desabam quando conquistam mais do que podem administrar.

Em economia, muito frequentemente acontece a mesma coisa: se o governo gastou demais, em seguida vem o castigo, em inflação, em alastramento da dívida e em distorções.

Em 2021, a economia brasileira enfrentou as consequências das más escolhas feitas, as consequências da hybris desrespeitada. E as principais foram a omissão do governo federal no contra-ataque à pandemia e, depois, o mergulho na política populista para assegurar apoio ao projeto de reeleição do presidente Bolsonaro.

Por conta disso, vieram o furo no teto dos gastos, a paralisação das reformas, as concessões atrás de concessões às corporações e aos políticos fisiológicos. O maior custo foram a perda de confiança e o encadeamento das incertezas. O desemprego atinge 12,9 milhões de pessoas e a inflação chegou aos dois dígitos. Seguiu-se a paralisia dos investimentos.

Mas o desgoverno ou as consequências de excessos ou de omissões não se restringem à atuação deste governo. Outras vêm de longe e se perpetuam. O caso da indústria é uma delas. Excessivamente protegida, atacada pelo chamado custo Brasil ou destituída de mercado externo pela falta de acordos comerciais, a indústria de transformação definha. Não se sabe como vai enfrentar a nova onda tecnológica, a etapa 4.0, a impressão em três dimensões, a robótica avançada, a internet das coisas e o que virá junto...

A moral judaico-cristã deu importância à culpa que, supostamente, quase sempre tem perdão. Mas o que conta mesmo não é a culpa; são as consequências.

Celso Ming é jornalista e comentarista de economia