Contemplando o presépio: a manjedoura, o burro e o boi

Contemplando o burro e o boi, reconheço tristemente como estou desprovido de compreensão do amor de Deus

Por Cruzeiro do Sul

Dom Julio Endi Akamine.

Dom Julio Endi Akamine

As crianças têm o poder de nos encantar com suas perguntas tão simples quanto surpreendentes. Uma me perguntou: “Por que, no presépio, Jesus está entre o burro e o boi?”

Vi muitos presépios e tenho alguns que monto no tempo do Natal, e percebo que todos eles possuem o burro e o boi. Por que esses dois animais? Por que não galinha, patos, ovelhas, cabritos?

Sabemos, pelo evangelista Lucas, que o nascimento de Jesus se deu em Belém e que Maria teve seu filho e o pôs em uma manjedoura, “porque não havia lugar para eles na hospedaria” (2,1-7). A menção da manjedoura nos faz deduzir que Jesus nasceu num estábulo de animais, um ambiente pobre e desconfortável, quase indigno. De fato, a Palavra “veio para o que era seu, mas os seus não a receberam” (Jo 1,11).

Maria envolveu o menino “em faixas e deitou-o numa manjedoura” (Lc 2,7). Esse é o mistério que está visualmente no centro do presépio. No meio de uma estrebaria está a manjedoura e, nela, o recém-nascido envolto em faixas.

Podemos imaginar com que amor e ternura Maria se preparou para a hora do parto do seu Filho. No presépio, ela contempla o recém-nascido rigidamente envolvido em panos. Parece até uma antecipação da sepultura de Jesus! De fato, Jesus é, desde o primeiro momento de sua vida terrena, o Imolado, e a manjedoura se transforma, de repente, ante nossos olhos, em altar do sacrifício.

Além disso, a manjedoura é o lugar onde os animais encontram seu alimento. No presépio, vemos o Pão que desce do céu para dar vida ao mundo na figura do menino deitado em palhas. Desde o primeiro momento da existência terrena, Ele é o pão da vida! Dele vivemos, e contemplar o presépio se torna uma forma de comunhão espiritual tomada da mesa que Deus preparou em Belém Casa do Pão! Na pobreza do presépio se delineia o banquete que o Senhor preparou para o seu povo, banquete de vida plena e feliz, banquete de confraternização universal (Is 25,6-10) que nos faz consanguíneos de Deus pela bebida espiritual oferecida e tomada.

Um estábulo certamente tem animais. Onde a Igreja se baseou para escolher o burro e boi para pôr no presépio? Qual é o seu significado espiritual? Qual é o fruto espiritual que essas imagens nos oferecem?

Meditando no evento do nascimento de Jesus em Belém, a Igreja se baseou na Bíblia para escolher, dentre tantos animais, o boi e o burro. Com efeito, em Is 1,3 lemos: “o boi conhece o seu dono, e o burro, o cocho de seu senhor, mas Israel não conhece, o meu povo não entende!”

O boi e o burro foram escolhidos pela tradição da Igreja por essa ligação com o cocho e como uma advertência para quem contempla o presépio: se o boi e o burro reconhecem o seu dono, por que nós não reconhecemos o nosso Senhor?; se os animais identificam as mãos que cuidam deles e lhes dá de comer, por que nós somos tão ingratos em relação aos cuidados paternos de Deus?

Contemplando o burro e o boi, reconheço tristemente como estou desprovido de compreensão do amor de Deus. O burro e o boi são mais sábios do que eu! E eu, pobre e ignorante, diante do presépio, posso pedir perdão pela minha ingratidão e insensatez ante o Amor que se entrega e se imola.

É bom que o burro e o boi ladeiem o menino Jesus. Eles me recordam continuamente a necessidade de me converter para me abrir ao mistério que se revela no Natal.

Nenhum presépio deve prescindir do boi e do burro, pois a presença deles anuncia que chegou finalmente a hora do conhecimento de Deus.

Em tempo: o presépio deve ser desmontado no dia da celebração da Festa do Batismo do Senhor que, neste ano, cai no dia 9 de janeiro. Até essa data continuemos meditando diante do presépio.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba