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De barrigas e carnes

Artigo escrito por Edgard Steffen

18 de Dezembro de 2021 às 00:01
(Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

 

Empresa israelense Mea Tech 3D apresentou à
mídia bife criado em laboratório. (Dos jornais)

Na Faculdade de Medicina de Sorocaba, o Centro Acadêmico, apoiado pela direção da escola, promovia famosa aula inaugural. Comparecimento obrigatório aos novos alunos; obrigatoriedade justificada pela importância do tema e pela fama do catedrático expositor. Reunida a calourada no anfiteatro principal, entrava o professor doutor com toda a pompa e circunstância, acompanhado do séquito de assistentes. Um deles incumbia-se em avisar que eles deveriam tomar notas porque o catedrático exporia conceitos de suas pesquisas (ainda não publicadas) e seguramente os incluiria nas avaliações finais da cadeira. Ao fundo da sala muitos veteranos acompanhavam a palestra.

A partir daí, festival de disparates. O conferencista era um veterano travestido em professor. Disparava nonsenses anatômicas, fisiológicas, farmacológicas e outras lógicas da medicina. Para desassossego dos calouros, volta e meia acelerava a alocução e, ao mesmo tempo, recomendava que anotassem porque sua aula incluía pesquisas originais não encontradas nos livros. Pura patacoada para assustar neófitos. Alguns mais expertos percebiam a jogada. Outros, acreditavam até o fim.

Você não precisa ter baixo QI ou pouca cultura para cair em ciladas. Atentos e expertos jornalistas já caíram em alguma. Este que vos escreve (que coisa horrível esta frase!) já caiu no conto do homem da vassoura e no do caçador de marajás. Meu voto ajudou elegê-los. Espero ter mais sorte no 22 que se aproxima.

Em jogos de baralho, quando alguém erra, dizem, “comeu barriga”. No jargão do jornalismo “barriga” é notícia falsa publicada como verdadeira. Aconteceu com a revista Veja, em abril de 1983. Algum desatento publicou artigo do semanário inglês New Scientist sobre pesquisadores alemães que haviam conseguido um híbrido de células bovinas com células de tomate. O boimate poderia resultar numa espécie de filé ao molho pomodoro. Quem editou a famosa barriga não percebeu que o artigo era pegadinha de 1º de abril da revista inglesa para brincar com seus leitores.

Estas reminiscências me vieram à mente ao ler dois artigos -- sérios e comprovados -- publicados no “Estadão” em 12/12/2021*. A empresa israelense Mea Tech 3D divulgou a imagem de um grande bife criado em laboratório a partir de células-tronco de bovinos cultivadas sobre matriz de colágeno. Na mesma edição, a informação de que a Ambi Real Food, empresa brasileira sediada em Porto Alegre, lançara protótipo de hambúrguer a partir de células bovinas cultivadas. Fatos, não conversa fiada.

Conjecturo. Até parece que o bicho homem anda brincando de Deus e pretende criar seu próprio maná. Pelo jeito que está destruindo o meio ambiente, o planeta azul, precisará de um novo Abraão e um novo Moisés para o êxodo espacial em direção a um planeta habitável.

Entre o natural e o criado em laboratório, fico com o primeiro. Do boi, a pasto ou confinado, continuo preferindo um bom filé mignon mal passado ou costela macia bem assada. E o homem primitivo que habita em mim come cru, mesmo sem pressa, quibe, steak tartar e carpaccio com alcaparra e parmesão ralado. Se for pra comer barriga, que seja panceta.

A todos que me prestigiam com a leitura deste espaço

Feliz Natal! Shalom! A Paz de Cristo!

Edgard Steffen ([email protected]) é médico, escritor e membro da Academia Sorocabana de Letras (ASL)

(*) Starup de carne de laboratório 100% brasileira disputa mercado (pag. B10)

(*) Técnica para carne de laboratório avança. Mas o bife é suculento? (pag. A24)