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De cantor, humorista e epidemiologistas

Artigo escrito por Edgard Steffen

11 de Dezembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

Maksoud Plaza, hotel ícone de São Paulo, encerra atividades
(Cruzeiro do Sul 08/12/2021 - pag.11)

Vacina obrigatória ou não, erro na vacinação de dois bebês, cancelamento de festas de réveillon, surto de gripe no Rio, cepa ômicron assustando o mundo...

À procura de assunto para abordar neste sábado, leio notícia sobre fechamento de luxuoso hotel em São Paulo. Sou consumidor de entretenimento, mas não entrei no famoso Maksoud Plaza para ver e ouvir Frank Sinatra ou para o show do humorista sorocabano Sérgio Rabello.

Em agosto de 1991, Sinatra protagonizou quatro shows naquele lugar. Somente para seleta plateia capaz e disposta a pagar quase 6O mil cruzeiros por ingresso individual (mais ou menos R$ 7.500,00 na moeda atual). Sua voz, mais para os graves que para os agudos, já não era a mesma. Nem a silhueta nem a peruca. Mas o carisma continuava lá. Imbatível e indiscutível.

Também não fui me deliciar com o humor, escoimado de palavrões, do Sérgio Rabello. Cotado entre os melhores do Brasil, seu humor inteligente estava ao alcance dos bolsos do espectador classe média. A inteligência, a criatividade e o carisma do humorista sorocabano -- não o valor do ingresso -- fizeram o show permanecer, ininterruptamente em cartaz, por dois anos e oito meses na lotada sala do Teatro Maksoud.

Estive no hotel apenas para assistir sessão do Congresso Paulista de Pediatria numa manhã dos anos 80. Interessavam-me as pautas sobre cobertura vacinal e atualização em imunizações. Dois epidemiologistas do Center of Diseases Control foram convidados para o congresso. O CDC -- sediado em Atlanta, Georgia (USA) -- é órgão de referência internacional no combate aos agravos de saúde.

No sistema de saúde norte-americano não existem unidades básicas governamentais como aqui. Na exposição, os experts revelaram-se preocupados com a queda das coberturas vacinais contra sarampo, difteria, tétano e coqueluche, principalmente, porque “os pais haviam perdido o medo dessas moléstias”. Com a imunização, as doenças preveníveis por vacina haviam desaparecido dos consultórios dos pediatras americanos. O pavor pelas citadas doenças foi superado pelo medo das reações vacinais. A tríplice DPT (difteria, pertussis, tétano) costumava provocar, no local da aplicação, inchaço, vermelhidão e dor. Às vezes acompanhadas de febre baixa. Reações benignas e de curta duração.

Duas consequências. Não temendo as doenças preveníveis por vacina os responsáveis negligenciavam a imunização de seus rebentos. Verdadeira “indústria” das indenizações havia desestimulado as empresas produtoras de imunobiológicos. Algumas faliram. Os americanos precisaram comprar vacinas no exterior.

Duas preocupações dos epidemiologistas. O sarampo, a tosse comprida e a difteria continuavam grassando na América Central e os programas de imunização funcionavam mal ou não existiam naqueles países. Imigrantes legais e ilegais atravessavam a fronteira para trabalhar em colheitas. Nômades por acompanhar as diferentes safras, espalhavam seus vírus e bactérias nos deslocamentos. Mão de obra barata para os fazendeiros mas muito cara para os serviços de saúde.

O Brasil levava vantagem porque a migração era interna e o Programa Nacional de Imunização funcionava. Funciona até hoje, apesar dos pesares. Além dos negacionistas e dos movimentos antivacinas, existem condições socioeconômicas que facilitam a disseminação das doenças contagiosas.

Só para lembrar o humor de Sérgio Rabello em relação à política de metas das grandes empresas. Criou um show com intrigante título “Ou você adota a política de resultados ou você aceita os resultados da política”.

Se você transformar em aforismo o título do show, verá uma pérola de sarcasmo e ironia diante das incertezas políticas que assolam o mundo nestes anos de pandemia.

Edgard Steffen ([email protected]) é médico, escritor e membro da Academia Sorocabana de Letras (ASL).