Fim do mundo

Artigo escrito por Dom Julio Endi Akamine

Por Cruzeiro do Sul

Dom Julio Endi Akamine.

Todos os anos nos deparamos com uma página obscura do Evangelho (Mc 13,24-32): “O sol escurecerá e a lua perderá o seu clarão, as estrelas cairão do céu e as potências celestes serão abaladas”. Se nós parássemos de ler por aqui a explicação seria fácil: Jesus está falando do fim do mundo. Trata-se de um acontecimento bem longe de nosso tempo e que ninguém sabe quando acontecerá: “Quanto àquele dia ou hora, ninguém tem conhecimento, nem os anjos do céu, nem mesmo o Filho, somente o Pai”. Mas se continuarmos lendo o Evangelho, a palavra de Jesus nos põe bruscamente muito perto do fim do mundo: “Em verdade vos digo: esta geração não passará até que tudo isso aconteça”.

Há grupos religiosos que fazem dessa espera o centro da própria mensagem. Alguns deles andam de casa em casa, incutindo medo com o anúncio do fim do mundo para breve.

Nós devemos reconhecer com humildade: ninguém, nem a Igreja soube ainda explicar com clareza este discurso de Jesus sobre o fim. Será que Ele tinha a intenção de que não fosse compreendido? Absolutamente não! Jesus falou para que entendamos, mas nós perdemos, em algum momento, a chave para abrir o significado inserido na sua linguagem simbólica e apocalíptica. Nossa antena está defeituosa e por isso nem sempre conseguimos entender bem a mensagem enviada.

O primeiro problema de nossa antena defeituosa é que ela capta muita estática: em vez de captar o fato que vai acontecer, ela recebe o ruído do tempo em que irá acontecer. Nossa atenção, porém, deve se concentrar no fato futuro e não no tempo em que o fato se dará.

O segundo defeito de nossa antena é que ela recebe muita interferência e por isso confundimos o fim “de um” mundo com o fim “do” mundo. A humanidade já passou pelo fim de um mundo. Na verdade, passou por vários fins intramundanos. Penso que também nós estamos passando pelo fim “de um” mundo. Os pensadores e os formadores de opinião falam desse fim com palavras mais elaboradas: mudança de paradigma, nova civilização, revolução tecnológica, etc. Por isso, precisamos evitar as interferências em nossa antena defeituosa: Jesus não fala de “um” fim intramundano, mas “do” fim definitivo.

Conscientes de nossa antena defeituosa, precisamos apontá-la para o que Jesus quis nos ensinar. Procuremos formular isso: assim como o Senhor veio uma primeira vez, revestido de fragilidade, Ele virá uma segunda vez, revestido de poder e glória. Essa sempre foi a pregação da Igreja, desde os Apóstolos até hoje.

Deus decretou não somente dar-nos um mundo melhor, mas um “novo céu e uma nova terra”. Para que venha é preciso que passe a terra e o céu atuais. Esse é o sentido da descrição: “O sol escurecerá e a lua perderá o seu clarão, as estrelas cairão do céu”. O mundo que parecia tão estável, tão durável, tão imenso irá desmoronar: as potências do céu “serão abaladas”.

No meio de toda essa escuridão aparecerá o Filho do Homem. O novo céu e a nova terra são o próprio Jesus! Com a sua vinda, não haverá outras potências. Ninguém, nem nada irá fazer sombra sobre Ele.

É nesse momento que se revelará a realidade! Veremos o valor último do amor. Será feita justiça a todas a vítimas inocentes. Constataremos que viver e trabalhar por um mundo mais conforme a vontade de Deus valeu a pena.

O céu e a terra passarão, mas as palavras de Jesus não passarão! Em uma palavra: o Reino de Deus está próximo! Para ver o Reino não precisamos de telescópio. Podemos vê-lo a olho nu, presente em Cristo Ressuscitado presente na e mediado pela Igreja.

Mais ainda: podemos entrar nele e a ele pertencer. Os pobres, os famintos, os puros de coração, os perseguidos por causa da justiça, os mansos, os construtores da paz já estão na posse dele. O fim já começou; o futuro já se fez presente graças à morte e ressurreição de Jesus.

Ao mesmo tempo, porém, o Reino está por vir na sua forma definitiva: será inaugurado com o Juízo universal que marcará a passagem para o “novo céu e a nova terra”, quando serão enxugadas todas as lágrimas.

Uma segunda vinda de Jesus é, portanto, uma promessa, não uma ameaça. Somente é ameaça para os que não querem que a situação atual de injustiça acabe. Incute medo somente nos que estão apegados a este mundo de injustiça. Os que gemem e choram neste vale de lágrimas, ao contrário, clamam com desejo: Maranatá! Vem, Senhor Jesus!

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.