Vocação diaconal e martírio
Artigo escrito por Dom Julio Endi Akamine
O mês de agosto é tradicionalmente conhecido na Igreja Católica no Brasil como mês vocacional. Cada domingo é dedicado a uma das principais vocações cristãs: o primeiro é destinado a rezar pela vocação presbiteral; o segundo é o dia dos pais e da vocação matrimonial; o terceiro, da vocação consagrada, e o quarto, da vocação laical e do catequista.
Gostaria de chamar a atenção para um ministério ordenado que foi recentemente restaurado pela renovação conciliar que é a de diácono permanente. A qualificação “permanente” indica o estado de vida diferente do diácono transitório ou diácono seminarista que, antes de ser ordenado presbítero, é ordenado transitoriamente diácono. Os diáconos permanentes podem ser casados ou solteiros e exercem esse ministério de modo estável.
Aproveito a oportunidade deste artigo para saudar os 44 diáconos permanentes que atuam em nossa Arquidiocese e recordo que no dia 10 deste mês ocorre a celebração litúrgica de São Lourenço, Mártir.
Lourenço, insigne diácono da diocese de Roma, selou com o martírio o seu generoso testemunho de caridade no exercício do seu ministério diaconal. Ele foi martirizado somente quatro dias depois do martírio do papa Sisto II, de quem era fiel colaborador.
Quanto lhe foi perguntado pela autoridade romana onde estava escondido o tesouro da Igreja, Lourenço mostrou, em resposta, os pobres assistidos pela Igreja de Roma. Não se tratava de uma escapatória nem de uma manipulação dos pobres. A sua resposta era sincera: tinha os pobres como a riqueza da Igreja! É uma atitude muito importante para os dias de hoje, quando a cultura da indiferença e a idolatria do dinheiro levam muitos a sentir os pobres como ameaça e incômodo. Lourenço continua dando um testemunho importante para nós que, muitas vezes, vemos os pobres como descartáveis e indesejados.
Lourenço foi martirizado na grelha que suportou valorosamente.
“Quem quiser me servir, siga-me”. A vocação do diácono permanente é como a de S. Lourenço: seguir Jesus. Entregando-se com alegria aos pobres, Lourenço seguia Jesus. Ele dava com alegria aos pobres os seus bens: a bênção da Igreja, o seu tempo, o seu trabalho, e no fim, a sua vida. E por quê? Porque sabia que a única vocação que existe na Igreja é a da imitação de Cristo. O Pai deu generosa e totalmente o Filho ao mundo; o Filho se deu totalmente na cruz ao Pai e aos homens; Pai e Filho entregam o Espírito Santo aos discípulos. Não há outra vocação para o cristão a não ser fazer o mesmo: doar a própria vida. Quem sempre se doa no amor já está vivendo e morrendo com Cristo. Quem vive assim já tem vida em plenitude.
Nisso reside a única explicação do heroísmo de Lourenço e de outros mártires da Igreja: a sua experiência e o seu sacrifício só podem ser explicados e justificados por uma intenção sobrenatural (o Pai entrega o Filho, o Filho se entrega, o cristão se entrega).
Muitas vezes o martírio tem sido explicado a partir de causas humanas (políticas, nacionalistas, fundamentalistas). Essa forma empobrecida e errada de entender o martírio gera e tem gerado fanáticos que se dispõem a morrer para que sua causa triunfe.
O verdadeiro mártir não pensa na vitória de sua causa, seja ela política, filosófica ou ideológica. O mártir cristão não está envolvido nas lutas desta terra: ele deseja testemunhar Cristo. Assim o martírio de Lourenço ultrapassa o fator político, supera o mero conflito entre a doutrina revolucionária do Evangelho e a ordem estabelecida da pax romana.
O martírio na Igreja é um ato sacramental que se realiza como um carisma, como graça das graças, cujos efeitos sobrenaturais se espalham e se derramam em toda a Igreja. O mártir nada mais é do que um seguidor de Cristo! Cristo será para nós uma hóstia quando, por Ele, nós mesmos nos tivermos transformado em hóstias!
Que o martírio de São Lourenço sempre inspire e motive a todos e de modo particular os nossos diáconos permanentes.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.