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Qual será a moeda internacional no século 21?

Artigo escrito por Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro

02 de Junho de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro.
Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro. (Crédito: ARQUIVO PESSOAL)

No mundo pós-guerra, o dólar se manteve como a principal moeda nas transações internacionais. O domínio da moeda internacional traz uma série de benefícios para os Estados Unidos da América (EUA), não obstante o país tenha um pequeno percentual em todo o fluxo de comércio e serviços a nível mundial composto por todos os outros Estados. Não se faz necessário que os países se relacionem diretamente com os EUA para terem que utilizar a sua moeda, mas o comércio de Estados como a Coreia do Sul e a Tailândia ocorre em dólar, ainda que somente 20% de suas exportações sejam direcionadas para os EUA. O uso da moeda estadunidense em 85% das transações comerciais é visível também ao serem observados casos isolados.

Segundo Barry Eichengreen, em seu livro, “Exorbitant privilege: the rise and fall of the Dollar and the Future of the International Monetary System”, isto é, Privilégio exorbitante: a alta e a queda do dólar e o futuro do Sistema Monetário Internacional, em que o autor aborda sobre o exorbitante privilégio da moeda dos EUA. Eichengreen relembra que nos anos 1960, o presidente francês Charles de Gaulle aludiu a esse privilégio como uma “cause célèbre” durante uma série de conferências presidenciais. Havia uma importante fundamentação para de Gaulle, tendo em vista que mesmo sendo crítico ao exorbitante privilégio do dólar, nenhum país conseguiria sair do sistema monetário onde essa moeda predominava.

A crise monetária e econômica que afetou o mundo em 2008 e trouxe severas consequências para a União Europeia (UE), sendo considerada a pior crise dos últimos 80 anos até aquele momento, permitiu que os países pudessem realizar empréstimos a juros baixos, pois consideravam o dólar como a moeda mais segura. Este é um dos motivos que corrobora o conceito de privilégio exorbitante do dólar. No entanto, em um cenário em que a sociedade internacional vivencia a ascensão do sul global, com a emergência principalmente da China e Índia, há um questionamento sobre a possibilidade da maior ascensão da moeda chinesa, o yuan.

Em realidade, o dólar não nasce como moeda predominante, mas os EUA, como a maior potência durante o período, tornaram a sua moeda como a principal internacionalmente. Uma moeda se torna atrativa quando é emitida por um país considerado uma potência militar e econômica, além de deter estabilidade como um Estado seguro e confiável. Essas são algumas das credenciais que levam uma moeda ao patamar internacional. Deve ser lembrado que antes do dólar, a libra esterlina exercia essa função, como moeda emblemática. Inclusive, o Reino Unido não aderiu ao euro quando fazia parte da UE. por considerar sua moeda de alta relevância histórica.

A libra esterlina foi perdendo o seu poder como principal moeda, acompanhando a queda do Império Britânico. Ao final da Segunda Guerra Mundial, os EUA legitimam a sua condição de potência, o presidente Franklin Roosevelt, do partido Democrata, orquestra a formação das Organização das Nações Unidas (ONU) e do seu Conselho de Segurança (CSNU), formado pelos EUA, Reino Unido, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), França e China. Nesse momento, já havia a percepção da relevância da China para a sociedade internacional.

É importante analisar o euro como uma forte moeda que não pertence a um Estado-nação, mas como uma ambiciosa aposta da UE. Embora alguns críticos enfatizem o fato de não ter um poder Executivo para o euro, simultaneamente existe o Banco Central Europeu que o regulamenta, e também a Alemanha como fundamental líder nesse processo. Hodiernamente, a pandemia demonstrou a importância da China para a sociedade internacional, até o ponto de influenciar a vida nos municípios. Em consonância com o conceito do privilégio exorbitante cabe observar qual será o papel que yuan terá e a coexistência de moedas nas próximas décadas.

A dra. Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro é professora na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), câmpus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional, e doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos.