Tiozão
Nelson Fonseca Neto - [email protected]
Qual é a revelação que se tem aos 42 anos de vida? No meu caso, algo nada espetacular: descobri que sou o tiozão que fala “no meu tempo era assim” para os alunos. Coitados. Sempre impliquei com essa história de “no meu tempo era assim”. É que essas palavras costumam vir acompanhadas de sermões aborrecidos e de lições de moral desnecessárias. É aquele velho procedimento de editar o passado. Como se os mais velhos tivessem vivido no paraíso.
Prometi a mim mesmo nunca bancar o tiozão azedo. Acho que obtive relativo sucesso na empreitada. Nunca ouvi qualquer reclamação nesse sentido. Tomara que isso não se deva ao acanhamento dos meus alunos. Já falei para eles: “se eu bancar o tiozão nostálgico, por favor, gritem”.
Eles não tiveram de gritar. Eu mesmo me dei conta da presepada. Aconteceu na semana passada. Antes de chegar ao ponto fundamental, preciso recorrer à boa e velha contextualização.
Sou professor de redação da moçada do ensino médio. Em várias ocasiões, trabalhamos com temas propostos pelos principais vestibulares do país. É uma encrenca das boas. Meus alunos sabem que a redação tem um peso grande na nota final. Muita coisa está em jogo na hora de colocar as ideias no papel.
Faz parte do meu ofício reconhecer as tendências desses vestibulares. É um engano tremendo recorrer à tautologia que afirma: vestibular é vestibular. É um engano tremendo porque, por exemplo, há um abismo separando a redação da Fuvest e a redação da Unesp. Se você duvida, consulte na internet.
Na maioria das vezes, as redações tratam das chamadas “questões contemporâneas”. A lista dessas questões é enorme, mas é possível esquadrinhá-la. Há os grandes temas contemporâneos e há os temas contemporâneos relacionados ao cotidiano mais miúdo.
Exemplos do primeiro caso: mobilidade urbana; violência nas grandes cidades; corrupção no Congresso. Exemplo do segundo caso: os relacionamentos afetivos na era das redes sociais. Exige-se que os alunos saibam escrever com clareza e de acordo com a norma padrão. Exige-se, acho que deu para notar, que eles sejam observadores críticos do seu entorno.
Nas minhas aulas, preciso alternar o trabalho de técnicas de redação com a discussão dos temas propostos. Não é o caso de entrar, aqui, nos detalhes mais áridos. O que importa, neste momento, é falar um pouco mais a respeito das discussões dos temas. Não vou bancar o romântico e afirmar que gosto muito mais das discussões. Claro que gosto delas, mas também consigo ver o fascínio dos aspectos mais rigorosos das questões técnicas. Equilíbrio, né?
Mas uma coisa é inegável: o couro come, no bom sentido, nas discussões. É que, de uns anos pra cá, os principais vestibulares do país vêm demonstrando predileção pelos temas relacionados às mudanças causadas pela revolução na tecnologia de comunicação. É o bom e velho impacto da internet nas várias camadas da sociedade. E é aqui que entra a constatação de que, se não tomar cuidado, viro o tiozão ranheta.
Imagine o cenário. Entro numa sala com aproximadamente quarenta alunos. O tema da semana pede uma dissertação a respeito de como youtubers vêm pautando algumas das discussões fundamentais dos nossos tempos. Eu sei o que é YouTube. Vira e mexe, vejo vídeos no YouTube. Mas paro nisso. Ouvi falar de um ou outro youtuber.
O interessante é que, na sala de aproximadamente quarenta alunos, há vários nichos no que diz respeito ao consumo de vídeos. Cada nicho segue a sua rota. É um tanto confuso para o tiozão aqui. E é um tanto fascinante também. Na hora da discussão, eu digo que na minha época era tudo diferente. E era mesmo. Uma parte dos anos 80 foi atravessada com televisões que tinham um aparelho com uma rodinha que servia para mudarmos os canais. Controle remoto era luxo. Não preciso explicar com muitos detalhes, não é?
Quando digo como eram as coisas “no meu tempo”, alguns dos alunos ficam espantados. Outros ficam com pena. Eles aprendem com as minhas reminiscências. Eu aprendo com as novidades deles. Tento não ser o tiozão apocalíptico. Mas não tento ser o quarentão antenado. Não consigo me imaginar seguindo youtubers. Nas nossas aulas, uma geração ajuda a outra. Não conheço forma mais saudável de envelhecer.