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Sorte na vida

22 de Março de 2019 às 00:01

Nelson Fonseca Neto - [email protected]

O João Pedro vai muito bem. Mama bastante e dorme tranquilamente. Tem dado uns sorrisinhos engraçados. É um bebê lindo. Sempre os pais acharão seus bebês os mais lindos do mundo. E têm razão.

Já disse aqui que um bebezinho muda a maneira como lidamos com o tempo. Valoriza-se o intervalo entre um chorinho e outro. Privilegia-se a leitura de textos curtos. A correção de provas e a digitação de notas precisam caber nas brechas. Tem dado certo.

Percebi que no último texto eu falei mais dos aspectos práticos da paternidade. Demonstrei meu ódio aos barulhos cretinos. Do rojão ao escapamento da moto, expliquei como esses horrores atrapalham nossas vidas.

Teve gente achando que eu estava reclamando em demasia, que eu gastei muitas linhas enumerando as aporrinhações que podem assolar o mundo de um bebê. Acho que errei a mão. A ideia era mostrar a vida como ela é. E mostrar a vida como ela é não exclui a felicidade enorme de ter o João Pedro conosco. Ser feliz não é a mesma coisa que ser bobo.

Vai ver a culpa é do meu temperamento de resmungão. Quem acompanha esta coluna há bastante tempo sabe do que estou falando. Seria ingênuo imaginar que a chegada do João Pedro me transformasse num homem doce e capaz de reconhecer apenas as flores da vida. Tadinho do João Pedro se isso acontecesse.

Vejam vocês o que é a natureza. Dia desses eu conversava com a Patrícia enquanto olhávamos o João Pedro dormindo no berço. Ele estava com uma roupinha toda estilosa. Estava bem alimentado. Nessas horas, os pais devem olhar para a cena e dizer: que nenezinho de sorte. Aposto que isso acontece em alguns lares. E em seguida a conversa resvala numa certa amargura.

É que a gente olha pro nenezinho bem cuidado e constata que, no Brasil, pouquíssimas crianças têm tamanha sorte. A gente vê o rapaz pedindo dinheiro no semáforo e lembra que um dia ele já foi bebê. A gente vai fazer o teste do pezinho e vê mães exaustas que provavelmente chegaram até ali depois de enfrentar um ônibus lotado. A gente sabe que o nenê que pegou o ônibus lotado deveria evitar ao máximo aglomerações. Não é necessário ser o maior infectologista do planeta para saber dos riscos envolvidos.

A gente olha pro nenezinho bem cuidado e constata que a Patrícia e eu nos damos bem. Não quebramos o pau. Nosso apartamento não conhece baixarias. E a gente sabe que nem sempre os adultos seguram bem o rojão. A vida é dura para muita gente. As explosões são comuns. E os nenês crescem num ambiente hostil.

A gente olha pro nenezinho e sabe que tem roupinha de tudo quanto é tipo para ele. Que ele tem e terá brinquedinhos bacanas. Que a fralda dele sempre é trocada. Que temos um bom estoque de fraldas. Que a gente esteriliza as coisas. Que nunca falta álcool gel. Que ele já vem ouvindo umas musiquinhas bacanas demais. Que quando ele estiver maiorzinho tem um monte de livros por aqui esperando por ele. Que o papai chega cansado na justa medida do trabalho. Que o papai tem pique para ajudar a mamãe a cuidar do nenê numa boa. Que o papai não vê a hora de voltar pra casa. Que o papai nem cogita inventar moda e ficar no barzinho enchendo a cara com os amigos. Que o papai e a mamãe sabem que tudo tem seu tempo e que a fase da adolescência festeira passou há muito tempo e que não faz a menor falta.

A gente olha pro nenezinho e lembra que ele tem avôs e avós maravilhosos. Que os tios são apaixonados por ele. Que o apartamento da bisavó é logo ali. Que os amigos e amigas do papai e da mamãe sempre demonstram um carinho que é de emocionar.

A gente olha pro nenezinho, conversa sobre as coisas tristes e boas da vida e vai dormir um sono bom. E sempre agradecendo a parte que nos coube deste latifúndio.