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Revolução?

27 de Março de 2020 às 00:01

Nelson Fonseca Neto - [email protected]

Muita gente encara a pandemia do coronavírus como um marco. Para essas pessoas, a vida nunca mais será a mesma. Para o bem e para o mal.

Como estamos confinados aqui em casa, sobra mais tempo para fuçar as redes sociais. Nessas horas, eu me deparo com opiniões apocalípticas e com opiniões que cravam que estamos diante de uma oportunidade histórica. Bem que eu gostaria de saber o rumo do que estamos vivendo. Eu não sei. Ninguém sabe. Desconfie de quem afirma saber.

Vai de cada um, mas eu prefiro ser alarmista neste momento. É aquele velho lance de pensar no pior cenário para não quebrar a cara. Nem sempre fui assim. Passei muitos anos agindo de forma oposta. Muita gente ao meu redor me achava ingênuo. Óbvio que ser otimista traz alívio nessas horas. O duro é que muitas vezes a conta chega, e ela é salgada.

Tomemos o coronavírus como um ponto de inflexão. Muita gente confinada é garantia de exercícios de futurologia. Tenho visto de tudo um pouco. Os temas vão do trivial ao crucial. Interessante tratar de um deles. Falemos de educação.

Muitas das escolas particulares estão recorrendo à tecnologia de informação para suprir a falta de aulas presenciais. Muitas dessas escolas já trabalhavam com plataformas de ensino, mas eram ferramentas complementares. O grosso do processo estava na boa e velha sala de aula. Por enquanto, o tradicional precisa ser deixado de lado. Tudo se concentra em aulas e atividades remotas. Vai dar certo?

Estamos todos aprendendo. Aulas precisam ser gravadas. “Lives” são agendadas. Avaliações são preparadas de acordo com os novos tempos. As equipes pedagógicas conversam diariamente. Muitos profissionais estão virando a noite em busca de um modelo de qualidade. Não estou exagerando. Eu sou professor em escola particular.

Muito bem. Impossível não perguntar: a educação será a mesma quando as coisas se normalizarem? Bom, ela vinha mudando há um bom tempo. Cada instituição adotou seu ritmo. O problema é que agora houve um terremoto. Acabou-se o prazo ponderado de implementação de mudanças. A roda precisa continuar girando, e agora. Milhares de crianças estão em casa. E eu não preciso dizer que a escola tem um peso fundamental na vida desses alunos.

O que eu escrevi até agora não é “chute”. Está acontecendo. A questão fundamental tem que ser colocada para os próximos anos. Seria mais ou menos assim: o que estamos vivendo fará com que as famílias repensem a maneira como encaram a escola? Na maior parte das vezes, a resposta é “sim”. Como se estivessem decretando o fim da escola física. É tentador pensar assim. Só que eu acho que será o contrário. Depois vocês podem me cobrar.

Eu aposto o que vocês quiserem que os alunos estão sentindo falta da escola física. Não pouca falta: muita falta. E eu aposto o que vocês quiserem que as famílias também estão se dando conta de que a escola é fundamental. Venho tendo contato com uma série de programas e plataformas que potencializam a aula. São criações maravilhosas. Vão quebrar um galho imenso. Mas nunca substituirão uma sala de aula com alunos e professor.

Pensem numa aula de redação. Gosto de trabalhar com temas que desafiem os alunos. Tenho de equilibrar vários pratos ao mesmo tempo. Há momentos mais expositivos, em que me concentro nas técnicas de redação. Há momentos com cara de oficina, em que os alunos precisam queimar a cabeça escrevendo em sala. E há momentos de debate. São, indiscutivelmente, os mais instigantes. Saio feliz desses encontros. Saio indignado também.

Sou professor de ensino médio. Já perdi a conta de quantas vezes ouvi por aí que os adolescentes de hoje formam uma geração perdida. Só diz uma coisa dessas quem não convive com eles. Meus alunos, nos debates das aulas de redação, dão de dez a zero nos marmanjos. Juro que bate a vontade de acelerar o tempo e ver essa moçada ocupando postos fundamentais. E isso só aumenta o meu desejo de que este inferno de pandemia acabe logo. Sei que os meus alunos têm muito a dizer. Ao vivo. E todos bem.