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O mundo depois de João Pedro

08 de Março de 2019 às 00:01

Nelson Fonseca Neto

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Escrevo este texto na quarta-feira de cinzas. Foi um Carnaval diferente. Melhor dizendo, não houve Carnaval. É que o nosso filhinho João Pedro nasceu há quase três semanas. Impossível pensar em farra com um nenezinho em casa. Se não houve farra, houve uma espécie de curso intensivo sobre como ser pai.

Ser pai de nenezinho é revolucionar a maneira como se encara o tempo. Até a chegada do João Pedro, havia uma divisão clara entre horas de trabalho e horas de ócio. As horas de trabalho continuam firmes e fortes. A mudança se deu nas horas de ócio. Não dá mais para falar em horas de ócio. Melhor dizer “pedaços de ócio”, que podem varias de alguns minutos a quase uma hora.

Mas isso é uma mudança drástica? Claro que é. Antes do João Pedro, as horas seguidas de ócio permitiam a leitura de romances robustos. Sou dos que acreditam que textos grandes pedem atenção demorada. Fica complicado picar a leitura de “Guerra e Paz”, por exemplo. Ler um livro desses um pouquinho por dia é dar margem para o esquecimento. Pelo menos é assim que sempre funcionou comigo.

Assim, os últimos dias têm sido dedicados a leituras de textos curtos. Nessas horas nada melhor que contos e crônicas para dar conta do recado. A chegada do João Pedro significou a releitura dos textos do grande Marcos Rey. Fica aqui o conselho: o Marcos Rey é um dos nossos grandes escritores, e seus contos e romances nunca falham. No ócio prolongado ou na correria, representam o meu ideal de diversão.

Esse lance do tempo picotado também mexe com as tarefas que um professor deve realizar em casa. Planejamento de aulas, elaboração de provas, correção de provas e digitação de notas não podem ser abandonadas. Antes do João Pedro, eu reservava as manhãs de sábado e domingo para a correção das provas. Agora eu tenho que corrigir quando sobra um tempinho. Um pedaço da manhã aqui, um pedaço da tarde ali, uma rebarba da noite acolá. Tem dado certo.

Para além da maneira de lidar com o tempo, ser pai aguça o ouvido para os ruídos. Fica-se craque na arte de diferenciar o que é chorinho de manha daquilo que é choro de fome. Quando está prestes a dormir, o João Pedro dá uns suspiros longos. Nas primeiras vezes, parecia que ele ia despertar. Mas era justamente o contrário. O suspiro longo do João Pedro é a certeza de que o sono pesado está chegando. Nisso -- e em muitas outras coisas -- ele é a Patrícia. A genética é implacável.

Ainda no quesito barulho: impossível, numa fase dessas, não ficar revoltado com alguns barulhos trazidos pela rua ou pela vizinhança. Antes do João Pedro, eu achava idiota quem fazia barulhão com a moto. Hoje eu acho que quem abusa do escapamento é criminoso. Se vocês acham que eu estou exagerando, tentem ninar um nenezinho e ver a reação dele quando um otário passa com tudo pela sua rua. Sempre achei o rojão uma cretinice. Com o João Pedro aqui, passei a ser adepto de leis severas que eliminem tal bizarrice. Aos que amam rojões, uma dica: não é brincadeira quando alguém diz que o rojão atrapalha o sono de um bebê. Pensem nas crianças, nos que estão doentes, nos que pegaram no sono a muito custo.

A questão do barulho dos vizinhos é um pouco mais complicada. Por sorte, nossos vizinhos são tranquilos. Só que não estamos numa fase qualquer aqui em casa. O bebê precisa dormir, e os pais do bebê dormem picado. Qualquer brecha é válida. Desse modo, fazer faxina e arrastar móveis num domingo de manhã não é uma boa ideia. Eu diria que é um horror. (Eu poderia gastar algumas linhas para espinafrar a operadora de TV a cabo, que liga de hora em hora tentando vender um pacote que inclui não sei quantos canais de Telecine. Já falamos umas duzentas vezes que a oferta não nos interessa. Quem fala conosco diz que deixará anotado. Pergunte se a promessa de não ligar mais foi cumprida. Mas eu não quero perder meu tempo com porcaria.)

E assim o nascimento do João Pedro, a melhor coisa que nos aconteceu, vem mudando nossas vidas. Eu teria muito mais coisas para dizer, mas fico por aqui. Não estranhem se o nosso amado nenezinho for o protagonista das próximas colunas. Agora, se vocês me dão licença, vou ver o meu filhinho. Ele está acordando.